terça-feira, 24 de julho de 2012

50 anos depois do Concílio. Artigo de Enzo Bianchi

Parece ser estéril e artificial uma polarização entre "ruptura" e "continuidade": a Igreja não é tanto uma instituição, mas sim o corpo de Cristo, um organismo vivo que conhece períodos e que exige a "reforma", que sempre deve reconduzir a hierarquia e o povo de Deus a uma renovada fidelidade ao Evangelho e ao seu Senhor.

A reflexão é do monge e teólogo italiano Enzo Bianchi, prior e fundador da Comunidade de Bose, em artigo publicado no jornal L'Unità, 15-07-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o texto.

Há 50 anos, João XXIII anunciava o Concílio Vaticano II. Cinquenta anos são um arco de tempo significativo para uma leitura daquele "novo pentecostes" que atravessou a Igreja Católica e a sua relação com as outras confissões cristãs, com as outras religiões e o mundo contemporâneo.

Os "padres conciliares" ainda vivos são pouquíssimos, e mais nenhum deles exerce ainda algum ministério pastoral (o teólogo Joseph Ratzinger participou dele como "perito"), já abundam estudos e reconstruções históricas baseadas em arquivos, diários e documentos de todos os tipos...

No entanto, a leitura não pode ser "separado", porque as energias espirituais e as mudanças desencadeadas pelo Concílio no tronco vivo da tradição bimilenar da Igreja são atualíssimas ainda hoje, apesar de que haja, também na Igreja, infelizmente, trabalha contra aquela que João Paulo II definiu de "a maior graça dada por Deus à Igreja do século XX (...) o evento eclesial mais significativo e determinante".

Verdadeiramente, o Concílio ainda resta a ser totalmente implementado: não nos esqueçamos de que, ainda no início do novo milênio, o papa pediu que todas as Igrejas locais se interrogassem sobre a recepção do Concílio e voltassem aos textos emitidos pelo Vaticano II, de modo a conhecê-los e assimilá-los. Além disso, a história nos ensina que eventos epocais como uma cúpula ecumênica precisam de diversas décadas para se tornarem patrimônio compartilhado por toda a Igreja, e essa progressiva assimilação não pode ser acelerada simplesmente por meios de comunicação mais rápidos.

No entanto, quem viveu com consciência a Igreja nos anos anteriores ao Concílio pode medir a mudança, lendo com relativa objetividade e sobretudo com um espírito de agradecimento o caminho já percorrido. A história cristã é um "recomeçar" sempre, tanto na vida do cristão individual quanto na vida da Igreja: mudança, portanto, não significa que o Evangelho muda, mas – como ousava dizer o Beato João XXIII – que somos nós, a Igreja, que o compreendemos cada vez melhor.

Nesse sentido, parece ser estéril e artificial uma polarização entre "ruptura" e "continuidade": a Igreja não é tanto uma instituição, mas sim o corpo de Cristo, um organismo vivo que conhece períodos e que exige a "reforma", que sempre deve reconduzir a hierarquia e o povo de Deus a uma renovada fidelidade ao Evangelho e ao seu Senhor.

Se ainda hoje há quem chora sobre a situação da Igreja e percebe sinais de decadência e de crise, na realidade, o fogo ardente do Evangelho ainda está bem presente debaixo das cinzas: basta um feixe de lenha seca, um pedaço de madeira para deslocar as cinzas, um sopro, e a chama volta a se reacender, a iluminar e a aquecer.

Bastaria pensar na qualidade da fé de muitos cristãos cotidianos, na consciência do chamado universal à santidade cristã, na presença da Palavra de Deus no coração das comunidades eclesiais, na capacidade de diálogo que a Igreja adquiriu com relação às outras confissões e às outras religiões... Não se trata de fazer uma leitura apologética dos anos pós-conciliares: inadimplências ao Evangelho e contradições em diversos âmbitos e em diversos temas ainda estão presentes, mas o caminho tomado com o Concílio, por enquanto, não foi desmentido nem esquecido.

Se quiséssemos destacar um aspecto que ainda espera pela plena realização é que a Igreja, que se descobriu noVaticano II como essencialmente "comunhão", se torne comunhão em profundidade, até ser "casa comum" para todos os cristãos e, consequentemente, escola de comunhão também para todos os seres humanos. A sinodalidade deve encontrar novas formas para se expressar; a unidade da Igreja deve inventar caminhos de maior comunhão e corresponsabilidade entre bispos, presbíteros e fiéis, mesmo na diferença dos dons e dos ministérios; a busca da verdade deve cada vez mais se manifestar na doçura da companhia dos seres humanos.

Talvez justo nesse campo, o Concílio pode ser uma clara bússola para orientar com renovado entusiasmo o contínuo caminho de retorno da Igreja ao seu Senhor.