segunda-feira, 2 de setembro de 2013

Os Bárbaros

Os Bárbaros

Os bárbaros eram povos que não possuíam a cultura Greco-romana. Esses povos migraram em direção ao Ocidente, primeiramente no século III, se estabelecendo nas fronteiras do Império Romano do Ocidente. Muitos foram utilizados como soldados do exército romano. No século V, uma nova migratória, invadiu o Ocidente. Desta vez, os povos bárbaros fugiam dos hunos. Essa invasão acarretou na queda do Império Romano do Ocidente em 476 d.c.
            Dentre os povos bárbaros que penetraram no Ocidente, o mais importante foram os germanos, pois deram contribuições importantes para a formação da Europa Feudal.

Principais Grupos bárbaros:

a)Germanos: ostrogodos, visigodos, anglos-saxões, francos, lombardos, etc.
b) Eslavos: russo, poloneses, checos, croatas, ucranianos, etc.
c) Tártaro- Mongóis: hunos, turcos, etc.
Localização na Europa dos principais povos bárbaros
·  Francos : estabeleceram-se na região da atual França e fundaram o Reino Franco
·  Lombardos : invadiram a região norte da Península Itálica
·  Anglos e Saxões : penetraram e instalaram-se no território da atual Inglaterra
·  Burgúndios : estabeleceram-se na sudoeste da
França
·  Visigodos : instalaram-se na região da Gália, Itália e Península Ibérica.
·  Suevos : invadiram e habitaram a Península Ibérica
·  Vândalos : estabeleceram-se no norte da África e na Península Ibérica
·  Ostrogodos : invadiram a região da atual Itália.

Características Gerais dos Germanos:
Economia: Agrária
Política: Não conheciam a noção de Estado. Estavam organizados em tribos, e em período de guerras escolhiam um chefe militar.
O chefe militar e os seus guerreiros faziam um juramento de fidelidade, no qual os guerreiros prometiam obediência ao chefe militar.( Comitatus). Após as batalhas, as riquezas e terras dos conquistados eram divididas entre o chefe militar e os seus guerreiros. (Beneficium).
O comitatus e o beneficium, posteriormente contribuíram para a formação das relações de suserania e vassalagem, existente no feudalismo.
Religião: Os bárbaros eram politeístas, adoram os elementos da natureza. Adoravam o sol (deus feminino), e a Lua (deus masculino).
Direito: As leis não eram escritas, mas eram costumeiras, baseadas na tradição ( Direito Consuetudinário).
Império dos Francos

Localização: Gália ( França Atual)

Dinastias: Merovíngia (séculos V a VIII) e Carolíngia (séculos VIII e IX)

1.Merovíngia:
Clóvis: unificou as tribos dos francos, e converteu os francos ao cristianismo.
Os seus sucessores nomearam majordomus (Prefeito do Palácio) para governar o reino, e por isso, esse reis foram chamados de reis indolentes.

2. Império Carolíngio:
Carlos Martel (Majordomus): Venceu os árabes em 732, na Batalha de Poitiers confirmando o poder da Igreja na Europa Ocidental.

Pepino, o Breve: Lutou contra os bárbaros lombardos, na Península Ibérica, e ao vencê-los doou as terras para a Igreja ( Patrimônio de São Pedro), e por isso coroado como rei dos francos, iniciando desta maneira a dinastia carolíngia..

Carlos Magno:

( Coroamento de Carlos Magno)

1.Ampliou o território dos francos através de guerras de conquistas (Veja o mapa abaixo).
2. No natal do ano 800, Carlos Magno foi coroado pelo papa como rei dos Francos, confirmando o poder da dinastia carolíngia.

2. Aos nobres que participaram das guerras de conquistas, Carlos Magno doou terras (beneficium)
Durante o governo de Carlos Magno, muitas terras do império foram concedidas em beneficium a diversos nobres locais. Esses nobres tornavam-se, então, vassalos do rei, tendo para com ele dever de fidelidade. Por estarem na condição de vassalos diretos do rei, muitos desses nobres se recusavam a obedecer às instruções de autoridade administrativas. ( missi dominici). Essa atitude dos nobres foi um importante elemento para a formação da sociedade feudal, com fragmentação do poder nas mãos de diversos nobres senhores de terra, unidos apenas pelos laços de vassalagem.

4.Dividiu o Império: Condados ( condes) e em marcas (marqueses). Com o objetivo de fiscalizar a administração do reino, criou o cargo de “missi dominici”

5.Durante o reinado de Carlos Magno, os francos passaram por um período de esplendor cultural, que foi denominado de “Renascimento Carolíngio”. Foi criada as primeiras leis escritas da idade média; as capitulares; e a Escola Palatina, que tinha como objetivo instruir os filhos dos nobres.
Após a morte de Carlos Magno, o império foi governado por seu filho, Luís, o Piedoso. Após a morte de Luis, o Piedoso, seus filhos resolveram dividir o império pelo Tratado de Verdun. (veja o mapa abaixo):
Carlos, o Calvo ficou com a França Ocidental, Lotário com a Latoríngia (sul da Itália ao mar do Norte), e Luís, o Germânico, com a Germânia.

Nos século VIII, IX e X, uma nova invasão Bárbara ataca a Europa Ocidental; os árabes (sarracenos), os magiares, e os normandos (vickings), que através de ataques e saques provocaram muito pânico levando a uma migração para os campos; assim surgia na Europa, o feudalismo. O processo de feudalização da Europa teve inicio com a desagregação do Império Romano do Ocidente e se consolidou com as invasões bárbaras no século IX.


terça-feira, 30 de abril de 2013

Um Pouco da História da Baixada Fluminense

Após a expulsão dos Franceses e o conseqüente aniquilamento dos índios Tupinambás é fundada em 1565 a Cidade do Rio de Janeiro. Iniciava a partir desta data a distribuição de sesmarias em todo o recôncavo da Baía de Guanabara. Liberada a terra dos perigos que poderiam oferecer as comunidades indígenas, é dado início à penetração no seu interior através de seus principais rios.

Nascia no seu entorno dezenas de engenhos de açúcar, construções de igrejas e pequenas povoações, muitas delas origem dos municípios de hoje.

As bacias dos rios Meriti, Sarapui, Iguaçu, Inhomirim, Estrela e Magé foram as primeiras a serem ocupadas. Em suas margens nascem os portos de embarque. Bastante movimentados com a presença de tropeiros e de embarcações que subiam e desciam levando mercadorias da Europa para os engenhos e destes com seus produtos para a cidade do Rio de Janeiro, alem dos excedentes para o Reino. Os próprios portos eram transformados em importantes celeiros.

Os Engenhos de Cristóvão Barros em Magé no ano de 1567 e o de Salvador Correia de Sá na ilha do Governador, foram os primeiros a fumegar em território fluminense. Em 1584, menciona Anchieta “muitas fazendas pela baía dentro” e no ano seguinte diz ele ser a “terra rica, abastada de dados e farinhas e outros mantimentos, tem três engenhos...”

No século XVII o número de engenhos rapidamente crescia e o açúcar iria absorver quase toda a iniciativa dos fazendeiros do recôncavo da Guanabara. Cerca de 120 engenhos são levantados em torno da baía, e é o açúcar do recôncavo que vai afinal, como nos demais portos primitivos, erguer a economia da noviça cidade Rio de Janeiro. É também o açúcar o grande impulsionador do índice demográfico com a crescente entrada de africanos para as lavouras.

A paisagem natural vai deste modo modificando-se, fazendo aparecer os primeiros clarões nas florestas, não longe da entrada da baía começa a projetar toda uma população agrícola sobre os enflorestados morros do recôncavo e os intermináveis pântanos e alagadiços marginais.

O marco inicial da colonização no Vale do Rio Iguaçu foi a fazenda São Bento. Esta fazenda teve sua origem nas terras doadas pela Marquesa Ferreira ao mosteiro de São Bento em 1596, era viúva de Cristóvão Monteiro, primeiro proprietário das sesmarias ofertadas por Estácio de Sá no ano de 1565 em terras hoje pertencentes atualmente à cidade de Duque de Caxias. Nesse local, os monges Beneditinos fizeram erguer inicialmente uma capela dedicada a Nossa Senhora das Candeias. No século XVIII, as terras passaram para as mãos da irmandade de N. Sra. do Rosário dos Homens Pretos. Sua atividade econômica baseava-se na produção de farinha de mandioca, na cana de açúcar e na fabricação de tijolos. 

Nas margens do Rio Pilar, afluente do Iguassú, vamos encontrar a freguesia de Nossa Senhora do Pilar uma das mais antigas da Baixada. A primeira doação de sesmaria na região foi para Gaspar Sardinha, em 1571. Seu descendente Domingos Nunes Sardinha, abastado agricultor, construiu uma ermida em 1612, dando origem à Igreja de N.Sª. do Pilar.

Próximo as suas cabeceiras, localizada à margem direita do rio Iguaçu numa planície circundada de pequenos morros, a Igreja de Nossa Senhora da Piedade de Iguassú teve sua origem na capela que o alferes José Dias de Araújo, autorizou construir em sua terra, no ano de 1699.

É improvável, no entanto de fácil compreensão, que os primeiros núcleos de povoação não surgiram em torno de uma atividade puramente econômica, o colonizador era um homem extremamente devoto, ou quando não, demonstrava a sua religiosidade como forma de justificar o aquinhoamento de longas extensões de terras em nome da fé católica. 

A presença das capelas e igrejas numa determinada região, demonstrava a importância que aquele território representava perante o poder secular e o poder eclesiástico. Essa célula inicialmente embrionária daria o surgimento de uma aldeia, uma freguesia, uma vila e mais tarde uma cidade. 

Meriti assim teve as seguintes capelas descritas por Pizarro: a de São João Baptista, fundada pelos moradores de Trairaponga em 1645, em local desconhecido. Esta Capela funcionou como Matriz até o ano de 1660.

Com o crescimento de uma vila próximo ao Rio Meriti (atualmente centro da Pavuna e da cidade de Meriti), mandou-se construir em 1660 uma outra de pedra e cal (na Pavuna), transferindo inclusive a pia batismal, o que demonstraria a importância que este sítio assumia junto ao porto da Pavuna, que naquele momento já contava com uma grande quantidade portos, que escoavam a produção agrícola como o milho, a mandioca, o feijão, o arroz, legumes, o açúcar e a aguardente e ao mesmo tempo recebia os produtos importados, já que a localidade da Pavuna e Meriti, além de serem portos fluviais era também o melhor ponto onde se entrava na Baixada pelos caminhos de terra firme.

Assim, funcionava na localidade da Pavuna e do Meriti um verdadeiro entreposto comercial com toda a infra-estrutura com armazéns, trapiches, vendas e hospedarias. Por aqui passaram as pedras, azulejos, santos, móveis, pratarias, e outras quinquilharias que serviriam para ornamentar igrejas e fazendas que se construíram nas freguesias de Meriti e Jacutinga.

O ciclo do ouro ocorrido no interior do Brasil, traria importância para a ampliação dos caminhos da baixada. Após o abandono do Caminho dos Guaianazes que partia de Parati, abriu-se um novo caminho através da Baixada com ligação direta entre o Rio de Janeiro e as Minas, era o Caminho Novo de Garcia Paes em 1704 – passando por Xerém, Pilar e descendo o Rio Iguassú até o Rio de Janeiro.

Em 1724 abriu-se outro por Bernardo Soares de Proença, descendo a Serra de Estrela, atingia o Rio Inhomirim e o Estrela, onde existia o porto e indo em direção do Rio de Janeiro. Formando ai um importante Arraial que se transformou em Vila em 20 de Julho de 1846. A Vila da Estrela foi próspera, por ela passou a maior parte do ouro produzido na região das gerais, era o ponto final do caminho que durante mais de século recebia todos que se dirigiam ao interior.

Pelas águas do Rio Iguassú desceram a produção de café do vale do Rio Paraíba do Sul, atravessando a Baía em direção a cidade do Rio de Janeiro. Seu porto com uma dezena de armazéns em sua volta, atraiu para a localidade um grande contingente populacional, que se dedicaram nas mais diversas atividades de serviços, o arraial cresceu e virou Vila em 15 de Janeiro de 1833. Era a mais próspera das Vilas Fluminenses, possuidora de todos os Órgãos Públicos e setores de serviços. 

O café foi plantado também nas encostas da serra do mar em Iguassú no século XIX. O seu comércio gerou tanta riqueza que promoveu a abertura em 1822 pela Real Junta do Comércio uma nova estrada a do "Comércio", ligando-se também a outra posteriormente construída a estrada da polícia que passava por Belém, dirigindo- se ao Rio Preto, este caminho passou a denominar-se "Caminho do Comércio”, porém, só a partir de 1837 começaram os estudos para o seu calçamento, cujo trabalho ficou sob responsabilidade do coronel de engenheiros, Conrado Jacob de Niemeyer. 

Na primeira metade do século XIX o mundo conhecia a segunda fase da revolução industrial - a dos transportes. A grande novidade era o barco a vapor e a locomotiva sobre trilhos. No Brasil, Irineu Evangelista de Souza, o Barão de Mauá, lançava com o apoio de capitais privados, a primeira ferrovia ligando o Porto Mauá – depois Estação da Guia de Pacopaíba à Fragoso e Inhomirim no pé da serra da Estrela, num percurso de 15,5 km. 

Esta inauguração lançou as bases de uma grande transformação que se operaria ao longo da 2ª metade do século XIX, mudando completamente a configuração da geografia urbana da BaixadaA ferrovia num movimento retilíneo rasgou a baixada, diferentemente do caminho seguido pelos rios em meandros. Para a construção das ferrovias aterraram-se pântanos e brejos e desmatou florestas, de forma que a natureza sofreu grandes agressões. 

No entanto, as grandes transformações ocorreram no processo de ocupação humana. A primeira linha férrea construída foi em direção à região produtora de café. A Estrada de Ferro Pedro II (hoje Central do Brasil), chegou às cidades das encostas da serra do Gericinó e sul da serra do Mar em 1858 juntamente com Maxambomba (atual Nova Iguaçu), Queimados e Japeri. 

Em 1876 com o objetivo de captar água para a cidade do Rio de Janeiro foi construída a estrada de Ferro Rio D’Ouro, à medida que avançava ia transportando os tubos de ferro e demais materiais completando as obras de construção das redes de abastecimento d’água. No entanto, foi somente em 1883 ainda em caráter provisório que começaram a circular os primeiros trens de passageiros que partiam do Caju em direção à represa Rio D’Ouro. Mais tarde esta ferrovia foi dividida em três sub-ramais: Ramal de São Pedro, hoje Jaceruba; ramal de Tinguá, que se iniciava em Cava (Estação José Bulhões); e o ramal de Xerém, partindo de Belford Roxo.

Em 23 de abril de 1886 é inaugurada a Estrada de Ferro Leopoldina Railway, concessionária da The Rio de Janeiro Northern Railway Company – era a primeira concessão para uma estrada de Ferro que, partindo diretamente da cidade do Rio de Janeiro, alcançava a região serrana de Petrópolis. 

A 28 de fevereiro de 1884 iniciou-se o trabalho para assentamento dos trilhos, o que levaria dois anos, até sua chegada em Merity (atual Duque de Caxias), 

Junto a estas ferrovias seguiram outras de menor importância, mas que faziam ligações como ramais auxiliares e complementares às linhas principais. Elas surgiram em um momento que a baixada não possuía estradas, apenas alguns caminhos carroçáveis que em tempos de chuvas eram intransitáveis. O meio de transporte comum era no lombo dos animais ou ainda através dos rios. A locomotiva passou a ser a melhor opção não só de passageiros mas também para o transporte de mercadorias.

A população cansada dos naturais isolamentos, das doenças ribeirinhas começa a mudar-se para as margens das ferrovias, em principal nas paradas dos trens – onde se tinha água e lenha que serviam como fonte de energia para a locomotiva. Nestas paradas surgiam pequenas atividades de comércio, cortadores de lenha, carvoeiros e homens de serviços em geral. O crescimento rápido desta população fez destas paradas importantes estações que serão embriões dos futuros distritos de Nova Iguaçu, como Nilópolis, Queimados, Japeri, Merity, Belford Roxo, Pilar, Xerém e Estrela.

O assoreamento dos rios causado pelo desmatamento, as febres palustres e o fim da escravidão apressaram a decadência econômica da Baixada, o que levou a população em busca do Rio de Janeiro ou outras áreas produtoras para sobrevivência.

A expansão urbana neste século deu-se com a expansão das ferrovias. A venda de terras, outrora fazendas, retalhadas em lotes e vendidas a preços baixos para a moradia ou transformadas em sítios para o plantio de laranjais, estimulados pelos governos bem como a valorização no mercado mundial. Pelos diversos distritos de Nova Iguaçu cultivaram-se laranjais que ocuparam os morros e as colinas, fazendo a riqueza dos chamados capitalistas da laranja. 

As oscilações do mercado mundial com as guerras, as técnicas impróprias para o cultivo e a valorização de terras para fins urbanos após o saneamento, formaram a decadência da citricultura nesta região, dando lugar às “cidades dormitórios” de uma população laboriosa que se deslocavam para o Rio de Janeiro, diariamente, em busca do mercado de trabalho. 

O processo desenvolvimentista inaugurado com a revolução de 1930, a capitalização do campo, a seca no nordeste, a saída em massa do campo e a crise no sistema de parceria levaram ao êxodo rural. O inchaço populacional nos grandes centros urbanos e a exploração imobiliária pelo aumento constante do metro quadrado do solo na capital acaba empurrando grandes contingentes populacionais, para estas históricas terras. 

As fazendas fracionadas em sítios e chácaras com seus imensos laranjais e horti-fruti-granjeiros, transformaram-se em áreas de loteamentos, de grilagem e ocupações irregulares. Freguesias viram Distritos e estes em municípios. Em 1924 São Matheus vira 7º Distrito com o nome de Nilópolis, em 1931 Estação de Merity, com seu povoado em volta, vira o 8º Distrito com o nome de Caxias, todos desmembrados de Meriti, que pertencia a Nova Iguaçu. 

Após o regime de exceção (Ditadura Vargas), na esteira do populismo, o 8º Distrito emancipa-se ganhando status de Município, levando consigo São João de Meriti, que é transformado em seu 2º Distrito. São João de Meriti em 1947, emancipa-se de Duque de Caxias e, na mesma lei, Nilópolis de Nova Iguaçu. 

Envolvida com enormes conflitos ambientais, em razão de um crescimento urbano pouco planejado, onde temos bairros residenciais convivendo com industrias de grande potencial poluidor, com despejos “in natura” em águas que deságuam na Baia da Guanabara, agravada por sua posição geográfica entre o mar e a serra, dificultando ainda mais a dispersão de poluentes como o monóxido de carbono gerado de veículos automotores.

A degradação dos manguezais, o abandono dos nossos sítios históricos e arqueológicos, a criação de áreas de preservação ambiental, o reflorestamento das encostas e morros, os investimentos em equipamentos culturais são os grandes desafios que encontramos e que solicita de nós cada vez mais empenho.

É tempo de salvá-las: rios, matas, cachoeiras, sítios e prédios históricos devem ser priorizados não só sobre o ponto de vista cultural, mas como fator vital de sobrevivência, na preservação de recursos naturais como a água.

*Torres, Gênesis, é professor e pesquisador de História, Presidente do Instituto de Pesquisas e Análises Históricas e de Ciências Sociais da Baixada FluminenseCoordenador do Fórum Cultural da Baixada e Subsecretário de Cultura de São João de Meriti.

quinta-feira, 4 de abril de 2013

Reformas Pombalinas



As reformas pombalinas – No reinado de D. José I, o ministro Sebastião José de Carvalho,marquês de Pombal, com sua forte personalidade, caracterizou o período, denominado em virtude disso "pombalino”.

O período pombalino coincidiu com a época da decadência da mineração, e todo o esforço político do ministro de D. José I concentrou-se na tentativa de modernização do reino. Mas essa modernização, como era típico dos déspotas esclarecidos, foi imposta de c
ima para baixo.

Considerando as suas realizações em conjunto, conclui-se que a política de Pombal tinha em vista, de um lado, o fortalecimento do Estado e, de outro, a autonomia econômica de Portugal. No primeiro caso, Pombal tratou de diminuir a influência da nobreza e sobretudo dos jesuítas, os quais expulsou de Portugal e de todos os seus domínios em 1759.

Quanto à autonomia econômica, o seu objetivo era o de tirar o país da órbita inglesa, na qual ingressara a partir de meados do século XVII.

Desde o fim da União Ibérica em 1640, o Brasil era a mais valiosa possessão portuguesa. Com a descoberta e a exploração do ouro em Minas, o Brasil ocupou o lugar indiscutível de retaguarda econômica da metrópole. Porém, no tempo de Pombal, a mineração encontrava-se em franca decadência. A sua preocupação foi então a de reorganizar a administração colonial, fortalecer os laços do exclusivo metropolitano, a fim de garantir o máximo de transferência da riqueza brasileira para Portugal.

Em sua política colonial, Pombal tratou de centralizar a administração para maior controle metropolitano. Nesse terreno, o ministro tomou duas medidas importantes. A primeira foi a extinção do regime de capitanias hereditárias e, portanto, o fim do poder dos donatários. A segunda foi a reunificação administrativa.

Com essa reunificação ficava abolida a antiga divisão administrativa estabelecida em 1621, quando então o Brasil ficou dividido em dois Estados: o Estado do Maranhão e o do Brasil, cada qual com um governador próprio. O primeiro abrangia Pará, Maranhão e Ceará e o segundo, os demais territórios ao sul. A capital do Estado do Maranhão era São Luís e a do Estado do Brasil era a Bahia. Pombal reunificou a administração, transferindo, ao mesmo tempo, a capital para o Rio de Janeiro, em 1763, o que mostrou a sua preocupação em manter a cabeça administrativa bem próxima da economia mineira.

Mas a sua política não estava concentrada apenas em Minas. Ela abrangia também a economia açucareis do nordeste e a exploração das "drogas do sertão" da região amazônica.Em relação a Minas, com a finalidade de assegurar os rendimentos da Coroa, Pombal tomou a iniciativa de converter a exploração diamantífera em monopólio real, com o Regimento da Real Extração e, em relação ao ouro, ele estabeleceu um regime de taxação que combinava a Casa de Fundição e o sistema de fintas com cotas de 100 arrobas, complementado pela derrama.


Para atuar no nordeste e na região amazônica, Pombal criou a Companhia Geral do Comércio do Grão Pará e Maranhão (1755) e a Companhia Geral do Comércio de Pernambuco e Paraíba (1759). Assim, o quadro geral da administração colonial caracterizou-se, no final do século XVIII, pela crescente racionalização da atividade econômica, tendo por objetivo a transferência do máximo de riqueza do Brasil para Portugal. Paralelamente a essa racionalização, aumentava também o grau de opressão colonial. Essa tendência continuou com D. Maria I, que sucedeu a D. José I. No seu reinado, através do Alvará de 1785, proibiu-se a atividade manufatureira no Brasil.

Crise no Sistema Colonial


A crise do Antigo Regime – O declínio da mineração no Brasil coincide, no plano
internacional, com a crise do Antigo Regime. Fazendo um balanço de toda a exploração colonial do Brasil, chegamos à melancólica conclusão de que Portugal não foi o principal beneficiário da exploração colonial.

Os benefícios da colonização haviam se transferido para outros centros europeus em ascensão: França e, em especial, Inglaterra. De fato, o século XVIII teve a Inglaterra como centro da política internacional e pivô das mudanças estruturais que começavam a afetar profundamente o Antigo Regime. Como nação vitoriosa na esfera econômica, a Inglaterra estava prestes a desencadear a Revolução Industrial, convertendo-se na mais avançada nação burguesa do planeta.

A visível transformação econômica foi acompanhada, na segunda metade do século XVIII, por uma ebulição no nível das idéias. Surgiu o Iluminismo e, com essa filosofia, uma nova visão do homem e do mundo. Por trás de todo esse movimento, encontrava-se a burguesia, comandando a crítica ao Antigo Regime e, portanto, à nobreza e ao absolutismo. Mas os filósofos iluministas, como Voltaire e Diderot, seduziram os monarcas absolutistas da Prússia, Áustria, Rússia, Portugal e Espanha. Sem abrir mão do absolutismo, esses monarcas realizaram algumas das reformas recomendadas pelos iluministas, que vieram reforçar o seu poder, uma vez que a modernização empreendida aliviou as tensões sociais. Por se manterem absolutistas e optarem por reformas modernizadoras, aqueles monarcas ficaram conhecidos como déspotas esclarecidos. Esse foi um fenômeno típico da segunda metade do século XVIII. D. José I (1750-1777) e seu ministro, o marquês de Pombal, foram os representantes do despotismo esclarecido em Portugal.

quinta-feira, 21 de março de 2013

Aspectos Culturais da Colônia





O crescimento urbano e social bem como o aumento da riqueza, graças à mineração, possibilitaram o surgimento de uma elite letrada que promoveu a expansão das manifestações culturais na Colônia. No decorrer do século XVIII, a literatura, a arquitetura, a música e as artes plásticas começaram a ganhar
contornos próprios mesmo sofrendo uma profunda influência dos países europeus.

Padre Antônio Vieira (1608-1697) é certamente um dos maiores escritores da língua portuguesa. Veio ao Brasil e, como jesuíta, dedicou parte de sua vida à colônia, fazendo pregações na Bahia, em Olinda e São Luís. Ocupou vários cargos na corte e esteve em vários países em missões diplomáticas.

Convicto de certas posições, em 1665 foi processado pela Inquisição por defender os cristãos-novos; condenado por suas opiniões consideradas heréticas, foi, entretanto, anistiado logo depois. Autor de vários sermões importantes, como o Sermão pelo bom sucesso das armas de Portugal contra as de Holanda
(1640), cujo intento era barrar o avanço dos protestantes holandeses e garantir a viabilidade da máquina mercantil portuguesa.

Antes do século XVIII houve, evidentemente, importantes realizações culturais, como, por exemplo, os sermões do Padre Vieira e a obra poética e satírica de Gregório de Matos. Porém, somente com a consolidação e urbanização da sociedade de Minas Gerais é que foi possível o surgimento de três condições
essenciais para se poder falar em literatura propriamente dita: autor, obra e público. A partir daí, foram criados hábitos até então inexistentes na sociedade colonial. Os saraus que a alta sociedade promovia
incluíam sessões musicais além de recitais de poesia. As missas passaram a ser cantadas, aumentando a produção de músicas sacras e destacando-se José Joaquim Emérico Lobo de Mesquita, que compôs obras de grande valor artístico, como, por exemplo, Antífona de Nossa Senhora.

O movimento iluminista que se desenvolvia na Europa, especialmente na França, exerceu forte influência sobre a elite cultural das Minas Gerais, apesar das proibições da metrópole quanto à entrada de obras de pensadores iluministas, como Voltaire e Rousseau

Em meados do século XVIII, apareceram as primeiras agremiações literárias, como a Arcádia Ultramarina, na qual se destacavam Cláudio Manuel da Costa, Tomás Antônio Gonzaga e Alvarenga Peixoto, conhecidos como a Plêiade Mineira. Mas não foi apenas em Minas Gerais que despontaram literatos, pois na Bahia foram fundadas a Academia Brasílica dos Esquecidos e a Academiados Renascidos; no Rio de Janeiro, surgiu a Academia dos Felizes. Foram os árcades mineiros que introduziram o sentimento de
nacionalismo na literatura, possível de se perceber nas obras de todos os componentes da Plêiade Mineira. Nas Cartas chilenas, por exemplo, obra satírica atribuída a Tomás Antônio Gonzaga, as idéias nacionais e de combate à opressão aparecem claramente, conforme escreve Joaci P. Furtado: “as Cartas Chilenas são um poema satírico (...) que Critilo, escrevendo de Santiago do Chile, remete a Doroteu na Espanha, criticando o governo de Fanfarrão Minésio (...).

Não há dúvida de que o poema está repleto de referências à administração de D. Luís da Cunha Meneses, governador da capitania de Minas Gerais de 1783 a 1788.” Critilo (Gonzaga) escreve, como se estivesse no Chile, a seu amigo Doroteu (Cláudio Manuel da Costa), que estava na Espanha, criticando um fictício
governador chileno que, na realidade, era o governador das Minas. Todo esse cuidado em disfarçar a crítica
se justificava pela violência com que a metrópole portuguesa costumava tratar os colonos que questionavam a exploração colonial. Os intelectuais de Vila Rica, assim como os artistas, pensavam e expressavam a crítica por meio de sua arte e ajudavam a criar a cultura brasileira, apesar de todo o controle exercido pela Coroa. Talvez isso explique a nossa mania de censurar os meios de comunicação, nos dias atuais e, especialmente, nos períodos ditatoriais, como no Estado Novo (1937-1945) e nos governos militares (1964-1985).

É bom lembrar também, que Portugal proibia a circulação de livros e a publicação de jornais, como também não se preocupou em implantar o ensino superior na colônia, enquanto nas colônias espanholas e inglesas
proliferavam as faculdades e universidades. Aliada à grande riqueza que durante o século XVIII circulou nas Minas Gerais, a vida urbana que se criou em torno da exploração mineral foi campo fecundo para o desenvolvimento das artes na Colônia.

O barroco, a mais forte expressão da arte mineira, revelava a prosperidade da região; a produção foi tão intensa que havia trabalho para um grande número de artífices.

As principais obras de arquitetura, pintura e escultura foram religiosas. As igrejas imponentes eram decoradas com entalhes em madeira, pinturas nas paredes laterais e nos tetos, retratando cenas da vida de Cristo, além dos muitos detalhes pintados com ouro em pó misturado a um tipo de cola para dar aderência.

As pinturas mais importantes são de autoria de Manuel da Costa Ataíde, o melhor pintor brasileiro do período colonial; foi ele quem pintou o teto da igreja de São Francisco de Assis, em Ouro Preto, onde retratou uma Nossa Senhora mulata cercada por anjinhos também mulatos. Essa atitude do mestre Ataíde revela um traço muito importante da arte mineira: o engajamento social dos artistas; muitos deles mestiços ou de origem pobre aproveitavam-se da arte para fazer crítica social e política, coisa que não podiam fazer diretamente sob risco de serem presos e condenados por crime de lesamajestade.

Antonio Francisco Lisboa, chamado de Aleijadinho por causa das deformações provocadas por uma doença, foi o mais criativo dos artistas mineiros. A beleza de suas esculturas é conhecida no mundo todo. Sua genial produção artística está espalhada por várias cidades da região das Minas, como Ouro Preto, São João Del Rei, Congonhas do Campo e Sabará. Suas esculturas traduzem a efervescência cultural e social em que viveu. O mulato Francisco Lisboa vivia na pele as dificuldades de se pertencer ao grupo dos dominados e discriminados na sociedade escravista e preconceituosa do Brasil colonial, que opunha brancos e negros e destinava a estes, por mais talentosos que fossem, a condição de inferioridade social.

Além desse traço pessoal, sua arte traduz a vida intelectual e política de Vila Rica. É possível que o escultor tenha participado da Inconfidência Mineira; com certeza sabe-se que era amigo de Cláudio Manuel da Costa. Os seus trabalhos mais importantes foram de caráter religioso, nos quais ele fez críticas aos portugueses. No conjunto de esculturas que formam Os Passos de Cristo antes da Crucificação, na cidade de Congonhas do Campo, o genial mulato esculpiu os soldados romanos com expressão animalesca, numa clara associação entre aqueles que eram a repressão no tempo de Cristo e os portugueses que eram a
repressão na sociedade em que ele vivia. Há ainda o fato de que a imagem de Cristo morto tem a marca de uma corda no pescoço, o que muitos estudiosos entendem que se trata de uma representação de Tiradentes, morto na forca.

quarta-feira, 20 de março de 2013

''Martini diria que este é o pontífice de que a Igreja precisa''. Artigo de Georg Sporschill


agenda Martini para a eleição do papa, como foi chamada a minha última conversa com o arcebispo de Milão, leva exatamente à personalidade do novo pontífice. É quase como se o cardeal Martini tivesse este homem diante dos olhos quando expressou a sua própria dor pela Igreja europeia cansada e traçou a imagem de um bispo e papa preparado para os desafios atuais.

A opinião é do jesuíta austríaco Georg Sporschill, 66 anos, que escreveu o livro-entrevista com o cardeal Martini intituladoDiálogo noturnos em Jerusalém (Ed. Paulus, 2008). O artigo foi publicado no jornal Corriere della Sera, 17-03-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o texto.

Se eu considero as biografias do Papa Francisco e do cardeal Carlo Maria Martini, reconheço muitas correspondências. A agenda Martini para a eleição do papa, como foi chamada a minha última conversa com o arcebispo de Milão, leva exatamente à personalidade do novo pontífice. 

É quase como se o cardeal Martini tivesse este homem diante dos olhos quando expressou a sua própria dor pela Igreja europeia cansada e traçou a imagem de um bispo e papa preparado para os desafios atuais.

Um pastor na Igreja deveria ter ou assegurar através do seu séquito mais estreito a proximidade às pessoas e, sobretudo, a compaixão para com os pobres e os jovens. O novo papa provém de uma família italiana simples e numerosa de imigrantes na Argentina e adquiriu um grande conhecimento e competência social. 

Bergoglio é jesuíta e elogiou a pobreza, que viveu em primeira pessoa também como arcebispo de Buenos Aires, intérprete de um estilo de vida simples, longe do protocolo do Palácio, próximo das pessoas e daqueles que sofrem injustiças, razão pela qual ganhou a fama de "bispo dos pobres". Uma predileção pelos pobres que não diminuirá agora que ele reside no Vaticano. Ele conseguirá transformá-la em novas energias para a Igreja?

Graças à espiritualidade jesuíta, Bergoglio aprendeu a apreciar a liberdade. O fundador da ordem, Inácio de Loyola, confiava que Jesus estava enraizado e vivia em cada coirmão. Com essas raízes profundas, cultivadas através dosExercícios Espirituais, o jesuíta ganha uma liberdade com a qual pode se aventurar em toda obra, lugar ou encontro. Lá onde há mais necessidade. E com essa liberdade também ganha a coragem de enfrentar os poderosos quando afligem as pessoas. 

Bergoglio fez isso várias vezes na Argentina e arriscou conflito com o governo e com os poderes econômicos. Essa liberdade, que se justifica em Deus, será necessária ao novo papa para derrubar o sistema de poder na Igreja europeia e nas estruturas do Vaticano. O fato de o pontífice vir da América do Sul, por um lado, lhe permite uma distância dos problemas romanos e europeus; por outro, envolve também uma fraqueza. Ele conseguirá ir contra as antigas estruturas? Ele tem realmente as energias para mudá-las? Ele precisa de muita força interior e de uma liberdade igual à de João XXIII.

O novo papa não terá nenhuma resposta direta às demandas europeias. Mas ouvirá as pessoas. Resolverá os conflitos. Através da sua eleição, as Igrejas continentais e locais ganharão em consciência com relação à velhaEuropa. Confrontar-se-ão culturas diferentes com abordagens conservadoras e socialmente revolucionárias. Hoje, nenhum bispo ousa dizer o que o cardeal Bergoglio dizia na Argentina sobre as relações homossexuais. 

Papa Francisco, que no seu país denunciava os excessos da economia de mercado e a corrupção, inflamará as questões atuais da Igreja europeia. Eu confio no fato de que, nas polêmicas, as partes interlocutoras de boa vontade encontrarão uma resposta. Mas, em curto prazo, poderá haver fissuras perigosas. Através das fissuras dos grossos muros, porém, pode passar o Novo.

O novo papa argentino traz consigo também fardos pessoais. Foi-lhe contestada uma excessiva proximidade à junta militar. É difícil julgar de fora, porque, como responsável por uma grande comunidade, ele tinha que buscar o diálogo e ser prudente. Seguramente, ele não era um revolucionário na ordem governamental ou na Igreja. Talvez tenha se adaptado demais ao poder, algo do qual mais tarde ele se desculpou. Não se pode esperar mais de um homem. Ninguém é sem culpa. O ponto é se insistimos no erro ou aprendemos com ele.

Interessante, como todos destacaram, também é o nome que o papa escolheu: Francisco. Como jesuíta, eu logo pensei nos Santos da geração fundadora da Ordem, em Francisco Xavier, o grande missionário da Igreja que, no século XVI, chegou à ÁfricaÍndiaJapão. Aprendeu as línguas estrangeiras, respeitou as culturas e, com a sua devoção, abriu as portas da China aos missionários jesuítas. O papa, na verdade, referia-se a Francisco de Assispara afirmar como programa a vida simples e a crítica da riqueza.

Há rumores de que, no conclave de 2005, o cardeal Bergoglio foi o concorrente do cardeal Ratzinger. Atrás deBergoglio, estava o cardeal Carlo Maria Martini, que se retirou de partida por causa do aparecimento da doença de Parkinson. Diz-se que, naquele dia, Martini pegou pela primeira vez a bengala e que os dois jesuítas teriam aplainado o caminho para o Papa Bento XVI. Não sabemos se foi assim. Mas, talvez, os rumores indiquem o percurso pelo qual o Espírito Santo conduziu a Igreja e que hoje leva ao futuro.

A Igreja de Francisco é a do Concílio Vaticano II. Artigo de Massimo Faggioli


Quase paradoxalmente, o papa que fez da "continuidade com a tradição", Bento XVI, um dos mantras da teologia romana oficial, é sucedido hoje pelo Papa Francisco, que não tem medo de mostrar não só as descontinuidades de estilo com o antecessor, mas também as descontinuidades trazidas na Igreja Católica pelo Concílio Vaticano IIlex orandi, lex credendi, ou seja, a própria forma da oração expressa a fé dos crentes. 

A opinião é do historiador italiano Massimo Faggioli, professor de história do cristianismo da University of St. Thomas, nos EUA. O artigo foi publicado no sítio HuffPost.it, 19-03-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o texto.

Entre as palavras-símbolo do novo pontificado, a poucos dias da eleição do Papa Francisco, estão pobreza, bondade, ternura, proteção. Se, nos primeiros encontros públicos, o Papa Bergoglio havia dado a interpretação autêntica da escolha do nome de Francisco – o santo de Assis por uma Igreja e mensageira de paz –, na homilia dessa terça-feira, 19-03-2013, o Papa Francisco enfatizou o tema da ternura como estilo essencial para uma forma de amor, a proteção, difícil de praticar em um mundo que premia o indivíduo e a competição: "Eu gostaria de pedir, por favor, a todos aqueles que ocupam cargos de responsabilidade em âmbito econômico, político ou social, a todos os homens e as mulheres de boa vontade: sejamos 'guardiões' da criação, do desígnio de Deus inscrito na natureza, guardiões do outro, do ambiente; não deixemos que sinais de morte e destruição acompanhem o caminho deste nosso mundo!".

A lembrança dos mais fracos e frágeis é franciscano, mas sobretudo evangélico; a definição do poder do papa como serviço faz parte da reconfiguração do ministério petrino que o Papa Francisco anunciou nesses últimos dias: "Não esqueçamos jamais que o verdadeiro poder é o serviço, e que o próprio papa, para exercer o poder, deve entrar sempre mais naquele serviço que tem o seu vértice luminoso na Cruz; deve olhar para o serviço humilde, concreto, rico de fé, de São José e, como ele, abrir os braços para guardar todo o Povo de Deus e acolher, com afeto e ternura, a humanidade inteira, especialmente os mais pobres, os mais fracos, os mais pequeninos, aqueles que Mateusdescreve no Juízo final sobre a caridade: quem tem fome, sede, é estrangeiro, está nu, doente, na prisão. Só quem serve com amor sabe proteger".

Até mesmo do ponto de vista do estilo litúrgico, a missa de início do pontificado do Papa Francisco enviou uma série de mensagens inequívocas. É a igreja do Vaticano II, uma Igreja que se remete sem embaraços ao momento fundamental de redefinição da teologia e do catolicismo do qual se celebra o cinquentenário entre 2012 e 2015. Na sua homilia e nos discursos proferidos até hoje, o papa recordou várias vezes o antecessor Bento XVI João Paulo II. Não mencionou explicitamente o Concílio: mas, para um bispo latino-americano como Bergoglio, o Vaticano II é parte essencial e quase óbvia dessa experiência de Igreja.

A renúncia de Bento XVI, a eleição de um papa latino-americano, as suas palavras sobre a "Igreja pobre para os pobres", a missa em Santa Ana e a saudação aos fiéis na saída da igreja, como fazem os párocos na América, o beijo da paz entre o bispo de Roma e o patriarca ecumênico de Constantinopla: nada disso tudo é pensável sem oVaticano II. A própria forma da celebração do início do Papa Francisco mostrou, na solenidade de um rito de menos de duas horas, a "nobre simplicidade" de que fala o documento do Vaticano II sobre a reforma da liturgia (a reforma mais importante da Igreja nos últimos 500 anos), a constituição Sacrosanctum Concilium, aprovada em 1963.

Fim do barroquismos, fim das nostalgias, fim das simbologias monárquicas e imperiais: o papa é papa não porque é monarca, mas porque é bispo de Roma. A forma desejada pelo Papa Francisco para a liturgia de início do pontificado transmite uma ideia de Igreja que remonta à Igreja chamada ao Concílio por João XXIII e é uma ideia de Igreja fiel à grande tradição cristã, e não às ideologizações antimodernas dela.

Esse início de pontificado reabre a discussão sobre o papel do papado nas relações ecumênicas entre as Igrejas, nas relações entre as religiões e civilizações. A presença do patriarca de Constantinopla, pela primeira vez na história, na missa de início do ministério do bispo de Roma; a presença de representantes das outras Igrejas, do judaísmo e do Islã, de outras comunidades religiosas; a presença do mundo inteiro na Praça de São Pedro falam ao mesmo tempo de uma Igreja que não pode voltar atrás nas trajetórias iniciadas há 50 anos.

Quase paradoxalmente, o papa que fez da "continuidade com a tradição", Bento XVI, um dos mantras da teologia romana oficial, é sucedido hoje pelo Papa Francisco, que não tem medo de mostrar não só as descontinuidades de estilo com o antecessor, mas também as descontinuidades trazidas na Igreja Católica pelo Concílio Vaticano IIlex orandi, lex credendi, ou seja, a própria forma da oração expressa a fé dos crentes. 

Foi o Concílio Vaticano II que reformulou para os tempos modernos a antiga ideia de uma "Igreja serva e pobre" – uma ideia que pouco se adapta à pompa vazia das liturgias imperiais, das quais o Papa Francisco não fez segredo de querer se livrar.

Fonte: Unisinos