terça-feira, 24 de janeiro de 2012

O Ano da Fé: do papa ou de Jesus?

"Uma vez, em Nazaré, seu povoado, Jesus disse na Sinagoga: "Fui enviado para anunciar uma boa notícia, para curar os doentes e libertar os prisioneiros. Está aberto o ano da graça". O que mais senão isso pode ser o Ano da Fé para aqueles que clamam a Jesus de Nazaré?"

A opinião é do teólogo espanhol José Arregi Olaizola, professor das faculdades de teologia de Vitoria e Deusto, naEspanha, e fundador e diretor da revista religiosa Hemen. O artigo foi publicado em seu blog no portal Religión Digital, 19-01-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o texto.

Quero saudar este ano de 2012 do nosso calendário solar gregoriano, cuja primeira lua já minguou. Que cada um ponha o número que corresponda ao seu próprio calendário, seja lunar ou solilunar, judeu ou muçulmano, chinês ou indiano, inca ou maia. E tenha já começado ou ainda esteja para começar, nunca se sabe. Quero saudá-lo a partir da minha fé.

Este ano, a ONU declarou como Ano Internacional da Energia Sustentável para Todos e também como Ano Internacional do Cooperativismo. Oxalá sejam ambas as coisas, que são a mesma! E que não aconteça neste 2012 o que aconteceu em 2011, que foi declarado pela mesma ONU como Ano Internacional das Florestas, mas as florestas continuaram caindo, e continuou nos faltando o ar, e o ano acabou com uma lei proposta pelo governo brasileiro que, se for aprovada, fará com qe se reduza ainda mais a selva do Amazonas, principal pulmão da terra e da vida que respira.

Todos os seres vivos respiram o mesmo oxigênio, são movidos pela mesma energia, formam juntos o mesmo corpo vivo e cooperante. O planeta inteiro é, sem saber, um organismo vivo em cooperação. Nós, humanos, que nos gloriamos de saber disso, somo neste momento a grande ameaça desse corpo vivo e único.

Seremos precisamente nós que romperemos esse misterioso tecido cooperativo da vida? Trairíamos a nossa consciência e toda a Terra. Minha fé diz: "Trairíamos a Deus".

Sim, eu sei que abuso dessa palavra sagrada: "Deus", que tanto utilizamos em vão, que tão em vão utilizamos. Mas é minha forma de dizer o Mistério supremo e mais íntimo. É a minha fé.

O que é a fé? É olhar a Realidade como bela, agradecê-la como boa, compadecer-se dela como sofredora, ouvi-la como chamado, confessá-lo como promessa, acolhê-la como graça. Traindo vida, traímos a Deus, pois "Deus" é essa centelha, esse calor, essa paixão, esse espírito, essa vontade que habita em tudo, também naquilo que chamamos de matéria inerte.

"Deus" é a chama que late na cor e no som, na melodia e na dança. "Deus" é essa energia que sustenta e anima tudo: o átomo e a árvore, a palavra e o olhar. "Deus" é o coração de tudo o que é feito de cooperação e cuidado, de respeito e liberdade. "Deus" é a fé do crente. "Deus" também é o seu empenho, inclusive sua luta. O empenho do crente brota do consolo, sua luta emana da paz.

O Papa Bento XVI anunciou justamente que neste ano, lá por outubro, será aberto na Igreja o "Ano da Fé". Eu gosto desse nome: "Ano Internacional da Fé". Sim, mas que seja uma fé que abra, não uma fé que feche. Que seja para abrir fronteiras e portas, para abrir os corações para a confiança que transforma, para sustentar juntos a energia da vida, para cooperar na luta da paz verdadeira.

Tudo depende, mais uma vez, do que o papa entende quando diz "fé". Tendo visto e lido a sua declaração, temo que ele queira abrir o Ano da Fé para continuar fechando portas e erguendo fronteiras. Já não seria o ano da fé. Que pena!

A questão é que, no motu proprio que anuncia o Ano da Fé, Bento XVI afirma querer "dar um impulso renovado à missão da Igreja de conduzir os homens para fora do deserto em que se encontram com frequência". Ou seja, o deserto são os outros. No deserto, vagam sedentos todos os que não estão na Igreja, incluindo os católicos que não se submetem à hierarquia vaticana e devem ser tomados paternalmente pela mão e reconduzidos ao único redil onde há vida e verdade.

Como se a Igreja não caminhasse no deserto com todos os demais. Como se ela não necessitasse deixar-se tomar pela mão pelos "outros" e deixar-se reconduzir humildemente para as águas que não lhe pertencem. Como se ela, a Igreja, e de modo particular a hierarquia, não fosse responsável pelo imenso deserto, sem florestas verdes nem águas frescas, que se estende dentro e fora dela.

Como se sua primeira missão não fosse deixar-se evangelizar pelos homens e as mulheres de hoje e buscar com eles verdor e frescor, espírito de vida, Energia sustentável para todos.

Essa é a visão, bastante maniqueísta, do mundo e da Igreja que esse papa tem, desde muito antes de ser papa. Em sua homilia do último dia 6, festa da Epifania, festa da luz universal, ele voltou à crítica. "O mundo – disse – com todos os seus recursos, é incapaz de dar à humanidade a luz para orientar seus caminhos. Comprovamos isso também em nossos dias: a civilização ocidental parece ter perdido a orientação, navegando sem rumo. Mas a Igreja, graças à Palavra de Deus, vê através dessas trevas".

Está claro: fora da Igreja reinam as trevas. Os maiores males do mundo são a descrença, o relativismo e o pluralismo religioso. Por isso, o mundo naufraga, vai à deriva. E só a Igreja, isto é, só aqueles que acreditam no que a hierarquia ensina – ao fim e ao cabo, o papa – conhece a luz e o rumo seguro.

Isso não seria celebrar o Ano da Fé como Jesus faria. Uma vez, em Nazaré, seu povoado, ele disse na Sinagoga: "Fui enviado para anunciar uma boa notícia, para curar os doentes e libertar os prisioneiros. Está aberto o ano da graça". O que mais senão isso pode ser o Ano da Fé para aqueles que clamam a Jesus de Nazaré?

A fé de Jesus não era crer em dogmas, que ainda não existiam. A fé de Jesus não era se submeter a uma hierarquia, que não apenas ainda não existia, mas também ele disse em alto e bom som que nunca deveria existir. A fé de Jesus era um sentimento vital profundo de que Deus é eterna Ternura em ação, que a Graça é a Realidade primeira de tudo o que existe, que em todos os momentos somos amados tal como somos, que sempre pode haver consolo e cura, e que nós, em Deus, podemos fazer que todo este mundo novo já exista neste mundo. Ele fez isso.

Isso sim seria hoje o Ano da Fé que Jesus proclamaria: a fé inabalável de Deus no mundo, e a nossa fé em nós mesmos e no nosso futuro comum, por quebradiça que seja. A Boa Notícia de que nada é fatídico: nem que os direitos humanos sejam substituídos pelos direitos de mercado, nem que a Europa sucumba aos ditames da especulação, nem que os bancos nomeiem os ministros de economia e continuem emprestando aos Estados com 6% de juros o dinheiro que recebem dos Estados com 1%, nem que aumentem os pobres quando a economia cresça, nem que 30 milhões de pessoas morram de fome por ano enquanto a cada dia se invistam 4 bilhões de dólares em armas e gastos militares, nem que morram as florestas, nem que 20 toneladas de peixes apareçam mortos em algum dia como no último dia 3 de janeiro em uma praia da Noruega, nem que milhares de pássaros pereçam como pereceram no Arkansas (EUA) no mesmo dia.

A Boa Notícia de que podemos construir grãozinho a grãozinho uma autêntica democracia baseada na justiça fraterna e universal, a partir da Praça Tahrir até a Praça do Sol e Wall Street.

Esse seria o Ano da Fé de Jesus: o Ano da Graça em ação.

Para rezar:

Em Êxodo

A vida sobre rodas ou a cavalo,
indo e vindo da missão cumprida,
árvore entre as árvores, eu me calo
e ouço como a Tua Vinda se aproxima.
Quanto menos Te encontro, mais eu Te acho,
livres os dois de nome e de medida.
Dono do medo que Te dou vassalo,
vivo da esperança de Tua vida.
À espreita do Reino diferente
vou amando as coisas e as pessoas,
cidadão de tudo e estrangeiro.
E a Tua paz me chama como um abismo
enquanto cruzo as sombras, guerrilheiro
do Mundo, da Igreja e de mim mesmo.

Pedro Casaldáliga

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Mais espaço para os leigos na Igreja

A "corresponsabilidade" voltou. Durante o Concílio Vaticano II, essa era uma das palavras mais recorrentes. Depois, durante anos, desapareceu. Um congresso organizado na França traz novamente à tona a "corresponsabilidade" e indica a comunidade Saint-Luc, em Marselha, como modelo de colaboração entre clero e leigos na Igreja.

A reportagem é de Giacomo Galeazzi, publicada no sítio Vatican Insider, 20-01-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Quem repropôs a discussão foi Nicole Lemaitre no sítio francês Baptises, segundo a qual a corresponsabilidade se realiza a partir da noção de comunhão, no sentido daquilo que é a vida trinitária: "Todos os fiéis estão presentes nela, por causa da sua participação na graça dos sacramentos". Os pontos de partida são o lema da Assembleia Geral do Episcopado Francês de 1973 ("Todos responsáveis na Igreja") e a exortação apostólica Christifideles laici ("Em virtude dessa dignidade batismal comum, o fiel leigo é corresponsável, com todos os ministros ordenados e com os religiosos e as religiosas, pela missão da Igreja").

Os precedentes foram particularmente significativos. Na conferência inaugural do IV Congresso Eclesial (Verona, 16 a 20 de outubro de 2006), o cardeal Dionigi Tettamanzi indicou a corresponsabilidade como "fundamento de uma relação entre os vários componentes do povo de Deus, rico e fecundo do ponto de vista eclesiológico". De diversos setores eclesiais, explica Giorgio Campanini, professor de história das doutrinas políticas da Universidade de Parma, foram propostas iniciativas a fim de valorizar a contribuição dos leigos à vida da Igreja. "A contribuição do apostolado dos leigos na missão evangelizadora da Igreja foi definida no passado por duas palavras, atrás das quais há uma longa história de disputas eclesiológicas e de opções pastorais: 'participação' e 'colaboração'", afirma Campanini.

Mas a bússola no "revival" da corresponsabilidade é constituída pelo discurso proferido no fim de maio de 2009 porBento XVI na Basílica de São João de Latrão, na abertura do Congresso Eclesial da diocese de Roma, que teve como tema "Pertencimento eclesial e corresponsabilidade pastoral". O Papa indicou os leigos como corresponsáveis na missão da Igreja. Eles não podem mais ser considerados como "colaboradores" do clero, mas devem ser vistos como "corresponsáveis" pela missão da Igreja. Uma exortação a se interrogar sobre a verdade de fé sentida e praticada pelos fiéis, especialmente pelos leigos, e sobre o quanto o seu pertencimento eclesial está aberto à corresponsabilidade pastoral.

Joseph Ratzinger retomou os frutos do Concílio Vaticano II, mas, ao mesmo tempo, sublinhou que a sua recepção não ocorreu sempre sem dificuldades e de acordo com uma interpretação correta, enquanto houve a tendência de identificar a Igreja com a hierarquia. Em particular, ele alertou contra uma visão puramente sociológica da noção dePovo de Deus, advertindo que o Concílio não quis uma ruptura, uma outra Igreja, "mas sim uma verdadeira e profunda renovação, na continuidade do único sujeito Igreja, que cresce no tempo e se desenvolve, permanecendo porém sempre idêntico, único sujeito do Povo de Deus em peregrinação".

Hoje, muitos batizados se perderam do caminho da Igreja e não se sentem parte da comunidade eclesial, ou se dirigem às paróquias para receber serviços religiosos só em determinadas circunstâncias. "Isso exige uma mudança de mentalidade, que se refere especialmente aos leigos – destacou o papa –, deixando de considerá-los como 'colaboradores' do clero para reconhecê-los realmente como 'corresponsáveis' pelo ser e pelo agir da Igreja, favorecendo a consolidação de um laicado maduro e comprometido".

Daí a necessidade de uma formação mais atenta à visão da Igreja, uma melhor presença pastoral e a promoção da corresponsabilidade dos membros do Povo de Deus, sem diminuir o papel desempenhado pelos párocos.

Também é importante cuidar da liturgia da Eucaristia, da qual deriva a comunhão. De fato, disse o papa, devemos sempre aprender a proteger a unidade da Igreja de rivalidades, de contendas e de invejas que possam nascer nas e entre as comunidades eclesiais. "O crescimento espiritual e apostólico da comunidade leva a promover o seu alargamento através de uma convicta ação missionária", disse o papa. "Empenhem-se, portanto, para reavivar em cada paróquia, como nos tempos da Missão Cidadã, os pequenos grupos ou centros de escuta de fiéis que anunciam Cristo e a sua Palavra, lugares onde seja possível experimentar a fé, exercer a caridade, organizar a esperança".

Essa articulação das grandes paróquias urbanas através da multiplicação de pequenas comunidades permite um respiro missionário mais amplo, que leva em conta a densidade da população, da sua fisionomia social e cultural, muitas vezes altamente diversificada. O papa, assim, destacou a importância de utilizar esse método pastoral nos locais de trabalho. "Quando perguntados para explicar o sucesso do cristianismo dos primeiros séculos, a ascensão de uma suposta seita judaica na religião do Império, os historiadores respondem que foi particularmente a experiência da caridade dos cristãos que convenceu o mundo. Por isso, viver a caridade é a principal forma da missionariedade". Para os participantes do congresso organizado na França sobre a "corresponsabilidade", a nova eclesiologia começa com o batismo. E "a primavera de um novo cristianismo, mais aberto, mais dinâmico, mais utópico, parece estar mais perto".

Cristinaismo vive "a mais grave crise" em 2 mil anos. O apelo urgente de um teólogo jesuíta


Com as devidas proporções, o sucesso do último livro deJoseph Moingt se assemelha ao do famoso Indignai-vos!, de Stéphane Hessel. Em ambos os casos, trata-se de um velho senhor que não tem mais nada a temer nem a demonstrar e que pode se permitir, com a legitimidade que lhe conferem as décadas de trabalho e de compromisso corajoso, dizer em voz alta o que muitos apenas pensam ou dizem em voz baixa.

A reportagem é de Claire Lesegretain, publicada no jornalLa Croix, 14-01-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

No entanto, esse jesuíta de 96 anos deseja dizer aos seus leitores, às vezes tentados a deixar a Igreja, não tantoIndignai-vos! mas sim Ficai!.

Croire quand même, publicado no fim de 2010 [1], vendeu mais de 8.000 cópias e está em curso a segunda edição. "Recebi muitas cartas de agradecimento de leigos e de padres, mas curiosamente nenhum eco do episcopado", diz, divertido, o padre Moingt, estreitando os travessos olhos azuis. Os leitores "sentem confusamente que a opção escolhida por Roma de um retorno ao passado não é a melhor forma de preparar o futuro do cristianismo. Depois de me terem lido, dizem-se fortalecidos na sua fé e encorajados a permanecer na Igreja". Há um ano, Croire quand même também suscita muitos grupos de leitura em toda a França e é motivo de muitos convites para conferências.

Um sábado, lá está ele com a sua figura miúda na abadia de Saint-Jacut-de-la-Mer (Côtes-d'Armor) para uma jornada aberta ao grande público. Diante de 150 pessoas, a maior parte de cabelos grisalhos, ele começa a percorrer a sua obra de teólogo, marcada pelos "dois grandes choques", o do Vaticano II e o de Maio de 68. "Desde então, os teólogos não se dirigem mais apenas a futuros padres, mas são convocados no meio dos fiéis para esclarecer seus problemas", aponta, antes de expor a sua análise da crise na Igreja.

Uma crise que, segundo ele, é "a mais grave" que o cristianismo já conheceu há dois milênios, porque trata-se de uma crise civilizacional. "O nosso mundo está prestes a rejeitar Deus", resume, citando Dietrich Bonhoeffer, que, antes de morrer na prisão nazista, percebia que o mundo "estava se libertando da ideia de Deus". É através dessa chave de leitura que Moingt fala da "primavera árabe", sinal não da "destruição do Islã, mas sim da desagregação de um espaço social que havia sido cimentado pela lei religiosa". Porque, lembra, "a vontade de Deus é que o homem se liberta de seus entraves, incluindo aqueles postos em nome de Deus".

Pedagogia

O Pe. Moingt não foge das perguntas que lhe são feitas, porque também são as suas perguntas. Com pedagogia, permite que seus interlocutores se beneficiem com a sua visão histórica sobre o longo prazo, para relativizar as atuais tensões dentro da Igreja. Algumas semanas depois, em seu quarto-escritório da Rue Monsieur, no 7º arrondissementde Paris, ele continua as suas reflexões sobre o futuro da Igreja. "Tenho um grande temor de que um número crescente de fiéis só queira respostas com um 'sim' ou com um 'não', e não consigam entrar nas sutilezas teológicas", resume.

Como dizer a humanidade de Cristo se ele nasceu de uma mulher virgem? Como explicar a Trindade? Como falar da Revelação, da Encarnação, da Redenção, se considerarmos que os textos do Antigo Testamento são apenas relatos inventados? Como pronunciar em cada Eucaristia: "Isto é meu corpo", se se trata de uma metáfora? Em que basear o sacerdócio, já que nenhum dos Apóstolos foi feito padre ou bispo por Jesus?... São todas perguntas complexas que efetivamente requerem respostas aprofundadas e que ocupam a mente do teólogo há mais de 60 anos.

Ela tinha 23 anos, no fim de 1938, quando entrou na Companhia de Jesus. Não tendo tempo, antes da mobilização, de terminar os 12 meses do noviciado, teve que refazer um ano inteiro em Laval (Mayenne) no grande noviciado da época.

Durante a guerra, o aprendiz de jesuíta ficou prisioneiro em vários stalags para suboficiais que se recusavam a trabalhar para o Terceiro Reich. Ele conseguiu escapar de um campo na Suábia, foi depois enviado para Kobierczyn, perto de Cracóvia, depois para um outro campo do qual foi libertado em 1945 pelo exército do general Patton... Mas, de repente, o Pe. Moingt interrompe o relatos das suas memórias: "Não tenho o hábito de me delongar sobre a minha biografia, não interessa a ninguém", sorri ele, com aquela gentileza divertida que o caracteriza. Antes de acrescentar que, "desde o retorno do cativeiro, por princípio, não retorno ao passado".

Marcado por Henri de Lubac


Conseguimos saber apenas que, depois de dois anos de filosofia em Villefranche-sur-Saône e depois de quatro anos de teologia em Fourvière, na colina de Lyon onde a Companhia de Jesus tinha uma faculdade até 1974, ele foi nomeado professor de teologia. Foi então enviado para a Universidade Católica de Paris para preparar uma tese sobre A teologia trinitária em Tertuliano, que defendeu, três anos depois, sob a orientação do jesuíta e futuro cardeal Jean Daniélou.

"Entre os jesuítas daquela época, fui marcado sobretudo por Henri de Lubac, que lecionava na Universidade Católica de Lyon e com quem eu trabalhei sobre Clemente de Alexandria", diz, antes de acrescentar a essa lista de grandes figuras os nomes de Gaston Fessard, Henri Bouillard, Xavier Léon-Dufour e Donatien Mollat...

Depois de doze anos de ensino em Fourvière, o Pe. Moingt pediu um ano sabático na Paris de 1968, para "por-se a par das novidades em teologia, filosofia e ciências humanas". Mas a Universidade Católica de Paris, que começou em 1969 o seu Ciclo C, um curso noturno de formação para leigos, deu-lhe o cargo de professor de cristologia.

Ele também lecionou na Centro Sèvres a partir de 1974, e em Chantilly (Oise), tradicional lugar de formação daCompanhia de Jesus. Isso lhe permitiu afirmar que "todos os jesuítas que entraram na Companhia depois de 1960 e até muitos bispos atuais" passaram por ele. Nesses mesmos anos, Pe. Moingt assumiu a direção da prestigiosa revista Recherches de Science Religieuse, que comemorou os seus 100 anos em 2010. A partir de 1980, tendo deixado a Católica para se aposentar aos 65 anos, o jesuíta continua lecionando no Centro Sèvres, fazendo suas pesquisas teológicas e a publicando importantes obras.

"Eu tenho outra obra em construção, mas não será um livro para o grande público", especifica, sabendo que não terá o tempo para popularizar o seu trabalho: "Outros se encarregarão disso depois da minha morte".

Ser cristão

Hoje, ele continua se relacionando com as comunidades de base das quais participou, seja no âmbito do catecumenato, seja durante as suas experiências paroquiais em Châtenay-Malabry (Hauts-de-Seine) por 12 anos, depois em Poissy (Yvelines) e em Sarcelles (Val-d'Oise), respectivamente por três anos.

Trata-se de "leigos que frequentam a Eucaristia, mas que precisam se encontrar fora da sua paróquia para partilhar o Evangelho ou releituras de vida"; leigos cada vez mais preparados que "sentem que ser cristão nada mais é do que ser homem, e que assumem a responsabilidade do seu ser-cristão assumindo a responsabilidade do destino da humanidade".

Porque, para Joseph Moingt, não é se concentrando na instituição eclesial que se poderá realizar uma reforma radical do catolicismo, mas sim voltando ao Evangelho. "Há a urgência de repensar toda a fé cristã para dizer 'Jesus Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro homem' na linguagem de hoje e em continuidade com a Tradição", repete, baseando-se na sua imensa cultura teológica e bíblica para confirmar que a Igreja não poderá mais seguir em frente com respostas dogmáticas e que é preciso que, dentro dela, os teólogos "façam coisas novas sem ser serem ameaçados de excomunhão". Quanto a ele, a sua prudência nunca foi motivada pelo medo de uma sanção eclesial, mas sim pelo desejo de escrever de acordo com a sua fé. E, depois, "na minha idade, já não se corre muito risco".

Nota:

1 - Croire quand même, Libres entretiens sur le présent et le futur du catholicisme, com Karim Mahmoud-Vintame Lucienne Gouguenheim. Ed. Temps Présent, Coleção "Semeurs d’avenir", 245 páginas.