sexta-feira, 11 de março de 2016

Jovens lançam protestam contra reforma trabalhista


França viveu nesta quarta-feira uma jornada de protesto da esquerda contra a esquerda. O primeiro-ministro socialista Manuel Valls reitera nos últimos dias que os jovens serão “os mais beneficiados” pela polêmica reforma trabalhista que seu Governo redigiu. Mas esses jovens, céticos, foram os primeiros a sair às ruas para exigir a retirada do projeto. Dezenas de milhares de estudantes, apoiados por sindicatos, participaram de mais de 250 protestos, paralisações e manifestações em toda a França, com o argumento de que a reforma é “uma ofensiva” contra eles. Amobilização se soma a uma greve de ferroviários por aumento salarial.
A reportagem é de Carlos Yárnoz, publicada por El País, 09-03-2016.
A favor e contra
Contrários ao projeto
• Sindicatos. A grande maioria exige diretamente a eliminação do projeto de lei. Oito organizações se preparam para uma greve geral no dia 31 de março.
• Organizações estudantis. As três principais entidades organizaram os protestos desta quarta-feira. Acreditam que a lei irá trazer mais insegurança no trabalho.
• Rebeldes socialistas. A ala esquerdista do Partido Socialista, do Governo, tacha a reforma de “liberal”. A prefeita de Lille, Martine Aubry, lidera o grupo e exige “mudanças radicais” no projeto. Militantes e ex-militantes promoveram o manifesto Lei do Trabalho: Não, Obrigado, que já soma 1,2 milhão de assinaturas.
• Esquerda radical e verdes. Todos os partidos à esquerda do Partido Socialista rejeitam a reforma.
Defensores do projeto
• Reformistas. Junto com o presidente François Hollande, a reforma foi promovida pelo primeiro-ministro Manuel Valls, e pelo ministro da Economia, Emmanuel Macron, que se definem como os principais “reformistas” do Executivo. Seus detratores dentro do Partido Socialista os classificam como “sociais-liberais”.
• Setor empresarial. A Medef (entidade patronal) afirma que o projeto “está no caminho certo”.
• Centro-direita. Os líderes do partido de Nicolas Sarkozy, Os Republicanos, anunciaram que votarão a favor do projeto caso ele não seja modificado. François Bayrou, líder do centro, acredita que os protestos refletem “a rejeição eterna” da França a qualquer avanço reformista.
• O Nobel Tirole. Cerca de 30 economistas, incluindo o prêmio Nobel Jean Tirole, argumentam que a reforma é “um avanço para os mais fracos” e citam como exemplo a reforma trabalhista espanhola, porque, segundo eles, motivou um aumento dos contratos de trabalho permanentes.
Abertos a negociar
• Sindicatos reformistas. Pelo menos dois sindicatos não rejeitam o projeto, mas querem negociar mudanças importantes, como a eliminação de limites máximos de indenização em casos de demissão.
• Ultradireita. A Frente Nacional critica o projeto, mas quer uma reforma trabalhista profunda.
Os organizadores da mobilização estudantil, habitualmente próximos do Partido Socialista (Governo), temem que, com o projeto, a atual precariedade trabalhista se transformará em uma característica permanente, em vez de um efeito temporário da crise. Com esse argumento, as três organizações estudantis mais ativas organizaram centenas de assembleias em colégios e universidades para promover paralisações e protestos. Na região de Paris, desde o começo da manhã os estudantes usavam contêineres de lixo e outros itens de mobiliário urbano para bloquear o acesso a cerca de 30 escolas do ensino médio. Em toda a França, a paralisação atingia cerca de 100 escolas, num total de 2.500 estabelecimentos de ensino.
“É um retrocesso”; “É o texto que a entidade patronal deseja”; “Esta reforma não é nem social nem socialista”; “Este protesto é só o começo”; “Os jovens estão oprimidos”; “É uma lei perigosa”; “[O presidente François] Hollande mente para nós”; “Sempre atingem os precários”; “O pior ataque aos trabalhadores”… Essas eram algumas das frases ditas por manifestantes ou escritas nos cartazes. Dois pontos do projeto geram especial repulsa entre os manifestantes: a autorização para que as empresas façam demissões coletivas quando houver queda no seu faturamento e a redução do valor máximo das indenizações em caso de demissão sem justa causa.
As principais manifestações ocorreram em Paris. Na emblemática praça da República, cerca de 6.000 pessoas participaram, a maioria estudantes, mas também sindicalistas. “On vaut mieux que ça” (“valemos mais do que isso”), gritavam eles em coro, enquanto vários jovens desenhavam a frase com seus próprios corpos. Outras concentrações ou passeatas importantes, com milhares de participantes, foram registradas em MarselhaBordéusToulouseRennesTours.
Duas horas antes, milhares de trabalhadores dos setores público e privado, convocados por oito sindicatos, percorreram o centro de Paris. Com eles estava Philippe Martinez, líder da CGT, a principal central sindical francesa, que reiterou que a reforma favorece “o dumping social”.
Os pontos-chave da lei
35 horas. A reforma não altera a sagrada lei que fixa o limite de 35 horas de trabalho semanal, mas de fato a dinamita. Por acordo interno nas empresas ou por decisão do empresário —por abertura de novos mercados, reestruturação ou causas excepcionais—, poderão ser ultrapassados esses limites.
Demissões. Poderão ser motivadas por queda de encomendas, perda de alcance de negócios, mudanças tecnológicas ou reorganizações.
Indenização. Registram uma liquidação geral. De quatro a três meses de salário se o tempo de serviço é inferior a dois anos. 15 meses se supera os 20 anos, em lugar dos entre 24 e 27 atualmente.
Horas extra. Quando forem superadas as 35 horas semanais, poderão ser pagas a partir do acordo setorial se a empresa e o comitê sindical aceitarem. Também poderão ser pactuadas baixas salariais. Os sindicatos minoritários poderão convocar referendos nas empresas contra acordos dos majoritários.
Acordos na empresa. Como norma geral, os acordos entre empresário e comitê sindical estarão acima dos setoriais, o que preserva o poder dos sindicatos.
Fonte: Unisinos

Capitalismo em crise e o declínio do trabalho



“Quando os postos de trabalho na indústria eram eliminados, podiam ser substituídos por postos de 'colarinho branco'. Mas hoje, se estes desaparecerem, onde serão criados os novos empregos?”, escreve Immanuel Wallerstein, professor na Universidade de Yale, em artigo publicado por Outras Palavras, 09-03-2016. A tradução é de Antonio Martins.
Ele analisa: revolução robótica, capturada pela ideologia do “mercado”, ameaça destruir empregos em massa. Até FMI alarma-se. Mas sistema já parece incapaz de se corrigir.
Eis o artigo.
ideologia neoliberal dominou o discurso político, em termos globais, nos primeiros quinze anos do século. O mantra era: a única política viável para os governos e movimentos sociais era dar prioridade para algo chamado “o mercado”. A resistência a esta crença tornou-se mínima, porque mesmo os partidos e movimentos que se consideravam de esquerda – ou ao menos à esquerda do centro – abandonaram sua ênfase traducional em medidas de Bem-estar Social e aceitaram a validade desta posição, orientada pra o mercado. Argumentavam que só era possível, quando muito, amenizar seu impacto, mantendo uma pequena parte das redes de segurança históricas que os Estados haviam construído ao longo de mais de 150 anos.
As políticas resultantes reduziram radicalmente a tributação sobre os setores mais ricos da população. Ao fazê-lo, elevaram o abismo entre os muito endinheirados e os demais. As empresas – em especial as maiores – puderam ampliar seus lucros reduzindo o número de empregos ou movendo-os para o exterior.
A justificativa oferecida pelos proponentes era a que esta política iria, ao longo do tempo, recriar os empregos que haviam sido perdidos; e que o valor adicional criado, ao se permitir que o “mercado” prevalecesse, acabaria se espalhando de algum modo pela sociedade. É claro que, para permitir a prevalência do mercado foi necessária muita ação política nos Estados. O chamado “mercado” nunca foi uma força independente da política. Mas esta verdade elementar foi solenemente ignorada ou, quando debatida, ferozmente negada.
Tudo isso terminou? Existe de fato o que um artigo recente no Le Monde chamou de um “tímido” retorno das instituições do establishment às preocupações com demanda sustentada? Há ao menos dois sinais neste sentido, ambos de efeito considerável. O Fundo Monetário Internacional (FMI) é, há muito, o pilar mais forte da ideologia neoliberal, impondo seus requisitos a todos os governos que lhe pedem empréstimos. No entanto, num memorando lançado em 24 de fevereiro, o FMI tornou públicas suas preocupações sobre como a demanda mundial tornou-se anêmica. Ele exortou os ministros das Finanças do G-20 a deixar as políticas monetaristas e estimular os investimentos – em vez da poupança –, para sustentar a demanda por meio da criação de empregos. Foi quase um giro de 180 graus.
Mais ou menos ao mesmo tempo (em 18 de fevereiro), a Organização para a Cooperação Econômica e o Desenvolvimento (OCDE), um segundo grande pilar da ideologia neoliberal, lançou um memorando anunciando um giro semelhante. Afirmou que era urgente promover “coletivamente” ações que sustentassem a demanda global.
Minha questão é: a realidade está se insinuando? Parece que sim, embora apenas timidamente. O fato é que, em todo o mundo, o “crescimento” prometido, na forma de produção com maior valor agregado, jamais ocorreu. É claro que o declínio é desigual. A China continua crescendo – num ritmo bem mais lento, que ameaça conduzir a um declínio ainda maior. Os Estados Unidos ainda parecem estar “crescendo”, em grande medida porque o dólar ainda parece ser, em termos relativos, o lugar mais seguro onde os governos e os muito ricos podem deixar seu dinheiro. Mas a deflação parece ter se tornando a realidade dominante na maior parte da Europa e das chamadas “economias emergentes” do Sul global.
Estamos agora num jogo de espera. As tímidas mudanças recomendadas pelo FMI e OCDE enfrentam a realidade de uma demanda global declinante? O dólar será capaz de resistir à perda crescente de confiança em sua capacidade de ser um repositório estável de valor? Ou estamos transitando para uma nova, e muito mais severa, mudança no chamado “mercado”, com todas as consequências políticas decorrentes?
A queda da demanda global é a consequência direta da queda do emprego global. Nos útimos 200, ou tavez 500 anos, sempre que uma mudança tecnológica eliminou empregos em algum setor produtivo, houve resistência por parte dos trabalhadores afetados. Os que resistiam envolviam-se nas chamada reivindicações “ludistas”, para manter as tecnologias anteriores.
Do ponto de vista político, a resistência ludista foi sempre um fracasso. As forças do establishment sempre disseram que novos empregos seriam criados para substituir os perdidos, e que haveria um crescimento renovado. Estavam certas. Novos empregos foram de fato criados – mas não entre os trabalhadores industriais. Surgiram entre as profissões ligadas aos serviços, de “colarinho branco”. Em consequência, a longo prazo, a economia mundial presenciou uma redução dos empregos industriais e uma significativa elevação no percentual dos trabalhadores de “colarinho branco”.
Aceitou-se sempre que os empregos de “colarinho branco” não estavam sujeitos a ser eliminados. Presumia-se que, por requerem interação entre seres humanos, não haveria máquinas capazes de substituir trabalhadores em carne e osso. Não é mais assim.
Um grande avanço tecnológico permite agora que as máquinas envolvam-se em cálculos de imensos volumes de dados, uma função antes exercida, por exemplo, por consultores financeiros de base. As novas máquinas já podem processar dados que um indivíduo levaria várias vidas para calcular. O resultado é que tais máquinas já começaram a eliminar os postos destes trabalhadores de colarinho branco. É verdade que isso ainda não afeta os postos de alto nível ou as posições de supervisão. Mas é possível enxergar para onde sopra o vento.
Antes, quando os postos de trabalho na indústria eram eliminados ou reduzidos, podiam ser substituídos por postos de colarinho branco. Mas hoje, se as posições de colarinho branco desaparecerem, onde serão criados os novos empregos? E se não forem criados, o efeito geral será reduzir severamente a demanda efetiva.
Contudo, a demanda efetiva é uma condição sine qua non para o capitalismo, enquanto sistema histórico. Sem demanda efetiva, não pode haver acumulação de capital. Esta é a realidade que parece estar se insinuando. Por isso, não surpreende que as preocupações emerjam. Não é provável, porém, que as “tímidas” tentativas para lidar com esta nova realidade possam fazer qualquer diferença real. A crise estrutural do sistema está aflorando abertamente. A grande questão não é como repará-lo – mas o que irá substituí-lo.
Fonte: Unisinos