sexta-feira, 23 de julho de 2010

Constituição do Escravismo Colonial


O primado da fé – No século XVI, quando teve início o povoamento do Brasil, a sociedade portuguesa era ainda estamental. Aceitava-se, por principio, a sua divisão em nobres e plebeus. Os povoadores que aqui chegaram, em sua maioria de origem plebéia, viam a nobreza como modelo ideal e aspiravam atingir no Brasil essa condição.

Assim, na época em que se iniciava a colonização, os povoadores tinham como valores a fé, a honra e o interesse, nessa ordem. A fé era representada pela Igreja e pelo clero. A honra, pela nobreza. E o interesse, pelos comerciantes. A busca do interesse próprio, ou lucro, não deveria estar acima da fé e da honra. Exemplo: se um povoador escravizasse os índios buscando explorá-los sem se preocupar em cristianizá-los, e através da riqueza assim obtida procurasse igualar-se à nobreza, esse povoador seria considerado um homem cobiçoso. O interesse convertia-se, em tal circunstância, em cobiça – que era tida como um vício muito grave.

Oficialmente, o povoamento do Brasil não fui encarado como um empreendimento comercial. D. João III (1521-1557) disse, aliás claramente, que "a principal coisa que me moveu a mandar povoar as ditas terras do Brasil foi para [que a] gente dela se convertesse à nossa santa fé". Manuel da Nóbrega, numa carta a Tomé de Sousa, escreveu que a intenção de D. João III não foi povoar tanto por esperar da terra ouro nem prata que não os tem, nem tanto pelo interesse de povoar e fazer engenhos, nem por onde agasalhar os portugueses que lá em Portugal sobejam e não cabem, quanto por exaltação da fé católica e salvação das Almas".

Essas seguidas declarações não oram palavras vazias, Os jesuítas colocaram-nas em prática. Jesuítas contra povoadores – Os jesuítas levaram a sério o caráter missionário que o rei de Portugal quis imprimir ao povoamento do Brasil. Com isso, muito cedo os jesuítas chocaram-se com os povoadores na questão da escravização do indígena. Para se compreender a posição dos jesuítas, é preciso analisar com muita atenção os seus objetivos.

Os jesuítas não eram contrários à escravização do índio, mas se opunham à sua escravização indiscriminada, como pretendiam os colonos.

Para os jesuítas, a escravidão deveria ter um objetivo religioso e não econômico. Escravizar para cristianizar e não para obter apenas lucro. E, como os colonos pretendiam escravizar os índios tendo em vista exclusivamente o próprio interesse, tal atitude foi interpretada pelos jesuítas como expressão da cobiça que eles condenavam.

Porém, para cristianizar os índios, os jesuítas compreenderam muito rapidamente que, antes, era preciso dominá-los, através de meios violentos se fosse preciso.

O rei de Portugal colocou-se, em princípio, a favor dos jesuítas, pois a escravização indiscriminada dos índios pelos colonos era muito arriscada: a ameaça constante de revolta dos índios aconselhava prudência.

Manter tanto quanto possível não só os índios mas também os povoadores em paz e ordem, a fim de que os indígenas participassem do comércio e, finalmente, se convertessem à fé católica, vinha a ser o objetivo último e declarado do Estado português

Como os jesuítas, o rei não era contrario à escravidão, Concordou que a escravização se limitasse aos índios hostis e inimigos aprisiona­dos em “guerra justa”. E chamava-se "guerra justa" a que fosse feita com a som autorização. Os índios aliados foram declarados livres e os cristianizados não podiam ser escravizados.

Todavia. em reconhecimento à necessidade de braços para a lavoura, a legislação foi várias vezes alterada, mas permaneceu o fato de que o Estado estabelecia, de um modo ou de outro, restrições a livre escravização dos índios.

Os colonos sempre encontraram meios para burlar a legislação e escravizar ou manter no cativeiro os índios protegidos por lei. Mas a verdade é que a atuação enérgica dos jesuítas e as restrições legais continuaram como obstáculo perturbador aos objetivos dos colonos.

Apesar de tudo, o trabalho indígena foi amplamente utilizado no processo de montagem da economia açucareira. À medida que essa economia começou a se expandir, ampliou-se constantemente a necessidade de mão-de-obra, cujo fornecimento requeria alguma regularidade. Tudo isso acabou pesando na decisão de substituir o índio pelo africano.

O tráfico negreiro – Estabelecer regras claras e restritivas de acesso à mão-de-obra indígena tinha o sentido de refrear a cobiça dos povoadores, entendendo-se por isso o estabelecimento de limites para a ação econômica, a fim de que o amor a Deus não fosse substituído pelo amor à riqueza.

A solução para esse problema, que obstruía os interesses dos colonos, mas também da burguesia comercial metropolitana, foi o tráfico negreiro, que articulou os interesses de ambos.

Mais ainda: o tráfico negreiro solucionou o problema em todas as frentes. Trazendo da África os trabalhadores necessários para o engenho, retirou-se dos jesuítas o principal de seus argumentos contra a escravização. O Esta­do português, por sua vez, abandonou a sua política indigenista em favor de uma política colonial.

De início, o tráfico negreiro era feito sob direta administração da Coroa ou mediante venda de licenças a particulares, cobrada segundo uma taxa estipulada por ‘peça’ de escravos, ou, ainda, pelo arrendamento de áreas defini­das. Porém, a Coroa não se empenhou nunca, com seriedade, em tomar a si o encargo de traficar diretamente, de maneira que esse comércio sempre esteve sob a iniciativa de particulares, destacando-se os portugueses de ascendência judaica.

Convém observar, entretanto, que o tráfico de escravos existiu em Portugal em período bem anterior a colonização do Brasil. Os dados cronológicos variam, mas sabe-se que em 1448 já havia um comércio regular de escravos em Portugal. Mais tarde, escravos foram vendidos também na Espanha.

Na África, as áreas de procedência dos negros os subdividiam em dois grandes grupos étnicos: os bantos, capturados na África equatorial e tropical, na Guiné, no Congo e em Angola, e os sudaneses, da África oriental, do Sudão, do norte da Guine e de Moçambique.

Entre os anos 1580 e 1590 existiam perto de 10 mil escravos africanos em Pernambuco e 4 mil na Bahia. Entre 1500 e 1600, o número total de africanos no Brasil não ultrapassava 50 mil. No século XVII, o número elevou-se para 560 mil e no século seguinte já eram 1 891 400 escravos africanos. Entre 1811 e 1870 a cifra caiu para 1 145 400, totalizando 3 646 800 escravos africanos trazidos ao longo de todo o período colonial. Até 1640, os portugueses eram virtualmente os donos absolutos do tráfico, quando então holandeses, ingleses e franceses entraram no negócio.

A substituição do escravo índio pelo africano ganhou impulso no final do governo de Mem de Sá, por volta de 1570, e já em 1630 tinha se tomado tem processo irreversível.

Escravismo colonial – À medida que o tráfico negreiro se intensificou e se transformou num elemento estrutural da colonização, a escravidão foi se convertendo em escravismo, portanto num sistema.

O escravismo colonial, diferentemente do escravismo antigo, greco-romano, foi estruturalmente mercantil, porque a produção açucareira estava voltada ao mercado, almejando o lucro. Os escravos eram produtores de mercadorias a serem vendidas pelos senhores de engenho. Por outro lado, o próprio escravo era adquirido através do comércio entre senhores de engenho e traficantes que pertenciam a burguesia metropolitana.

Portanto, o escravismo colonial estruturou-se como sistema integrando três camadas sociais: o escravo, o senhor de engenho e a burguesia metropolitana, na qual se inclui o traficante de escravos.

Como o próprio nome indica, o escravismo colonial é um sistema que se baseia numa dupla exploração: a escravista e a colonial. E, conforme se observa no esquema:

A exploração escravista refere-se à exploração dos senhores de engenho sobre os escravos. Teoricamente, os grandes beneficiários seriam os senhores de engenho. Ocorre, entretanto, que, tendo a exploração um caráter colonial, a maior parte da riqueza acabava se transferindo para as mãos da burguesia mercantil e, também, para o Estado metropolitano.

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