quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Milícias são o próximo desafio do Rio de Janeiro

A tomada das favelas da Rocinha, Chácara do Céu eVidigal pelo Batalhão de Operações Especiais (Bope), liberando do controle do narcotráfico armado quase 100 mil moradores e a preparação para nelas se instalar a 19ªUnidade de Polícia Pacificadora (UPP), completa a expulsão do poder paralelo das favelas localizadas na zona sul do Rio de Janeiro, a região mais rica da cidade, e reacende o debate sobre o alcance da, até agora inegavelmente bem-sucedida política de segurança fluminense. Um tema em especial, o futuro do combate às milícias, poder armado controlado por militares e ex-militares que domina grande parte do lado pobre da zona Oeste, preocupa a população e os analistas.

A reportagem é de Chico Santos e Paola de Moura e publicada pelo jornal Valor, 22-11-2011.

"Qual a finalidade da UPP? Ela não veio, como diz o próprio (secretário de segurança José Mariano) Beltrame, para acabar com o tráfico de drogas. Ela tem um sentido: acabar com o controle armado, paralelo, de territórios. E a milícia é isso (controle armado). Então tem alguma coisa que não bate", questiona a socióloga Julita Lemgruber, primeira mulher a dirigir o sistema prisional do Estado do Rio de Janeiro (1991-1994) e uma das maiores autoridades do país no assunto segurança pública.

O questionamento é a propósito do discurso oficial que, mesmo sem excluir a presença de UPPs nas áreas dominadas por milicianos, diz que o ataque às milícias exige uma estratégia mais calcada em trabalho de inteligência, diferente daquela que vem sendo aplicada pelas UPPs, a ocupação ostensiva dos territórios. Para a Secretaria de Segurança Pública, as milícias já estão sendo combatidas.

A prova do sucesso, mesmo admitindo que o trabalho está apenas no começo, seria a estatística de 624 milicianos presos desde 2006, sendo sete vereadores, um deputado estadual, 142 policiais militares (PMs), 32 ex-PMs e 14 policiais civis. As estatísticas da Secretaria de Segurança mostram ainda que o auge das prisões de milicianos ocorreu em 2009, com um total de 250, e que este ano foram presos até agora 124.


Por intermédio de sua assessoria o secretário Beltrame, disse que "milícia e tráfico são diferentes e, portanto, precisam de tratamentos distintos". Ele completa: "A política de segurança pública do Estado do Rio de Janeiro contempla ambos. Temos 19 UPPs que trouxeram a cidadania de volta para mais de 1 milhão de pessoas, direta e indiretamente. Até 2014 serão 40 UPPs espalhadas pelo Estado. No combate às milícias, é importante destacar que já foram presos mais de 600 bandidos."

Beltrame considera que "o combate às milícias exige uma ação de inteligência e, por isso, é mais demorado". Ele ressalta que já existe uma UPP em área que foi controlada por milícia, a favela do Batam (Bangu, zona oeste). "O nosso planejamento prevê a chegada de UPPs à zona Oeste, onde esse problema ainda existe. Mas como digo, UPP não se anuncia, se faz."

O discurso e a ação oficial até agora estão em xeque: "Tenho dúvidas sobre se só prendendo milicianos você vai acabar com as milícias", diz o sociólogo Ignacio Cano, professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), outro reconhecido especialista no tema segurança.Cano argumenta que a favela do Batam, em Bangu (Zona Oeste), segunda a receber uma UPP, é a prova de que a estratégia usada no combate ao tráfico armado é também capaz de obter sucesso no combate às milícias.

"Sem a presença ostensiva do Estado vai ser difícil acabar com as milícias", diz Cano que, da mesma forma queJulita, reconhece que as milícias têm características diferentes do narcotráfico armado. Uma delas é que não costuma haver tiroteios nas comunidades dominadas pelos milicianos, "até porque a polícia não vai lá enfrentá-los", ressalta Cano.

As milícias atuam principalmente na zona oeste da capital e nas cidades da Baixada Fluminense, um cinturão de pobreza há várias décadas marcado por lideranças violentas, geralmente a pretexto de eliminar bandidos (grupos de extermínio), uma linhagem que tem como símbolo o alagoano Tenório Cavalcanti, líder no município de Duque de Caxias que chegou a deputado federal.

Para Cano, as UPPs, que trafegaram pela trilha dos bairros turísticos (zona sul), daqueles associados a áreas de grandes eventos, como Tijuca e Mangueira (zona norte), vizinhos ao estádio do Maracanã, e que deverão chegar brevemente à favela da Maré (zona norte), encravada na rota do aeroporto internacional do Galeão, deveriam a partir de agora obedecer às estatísticas de violência como principal determinante para futuras instalações. Por esse critério, ele avalia que a Baixada e a zona Oeste passariam a ser contempladas também.

Cano e Julita reconhecem que a política de UPPs é positiva e que representa uma nova forma de combater o poder paralelo armado, substituindo o clima de guerra sem resultados práticos que antes predominava e levando aos moradores das comunidades pobres o gosto de viver em paz. "Já entrevistei pessoas que disseram que agora seus filhos podem ir à escola sem risco", ressalta a socióloga. Ficam as dúvidas quanto aos limites materiais do Estado para prosseguir com essa política e a cobrança de ações que vão além da pura e simples pacificação.

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