quarta-feira, 11 de novembro de 2015

"Pacto das Catacumbas" revive com o Papa Francisco, 50 anos depois


O "Pacto das Catacumbas", assinado por 42 bispos (que depois se tornaram 500), pouco antes do fim do Concílio Vaticano II, vem à tona. As renúncias aos luxos e aos privilégios, e o compromisso "com uma Igreja pobre e para os pobres" é realidade com o Papa Francisco. A celebração oficial dos seus 50 anos será na Pontifícia Universidade Urbaniana, com o teólogo Jon Sobrino, que verá o papa no dia anterior.

A reportagem é de Patrizia Caiffa, publicada pela agência SIR, 05-11-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Há 50 anos, poucos dias antes do encerramento do Concílio Vaticano II, 42 bispos conciliares (que depois se tornaram 500), incluindo o brasileiro Dom Hélder Câmara e o italiano Luigi Bettazzi, assinaram o "Pacto das Catacumbas", nas catacumbas de Santa Domitila, em Roma, como compromisso pessoal para levar uma vida de pobreza, renunciando a luxos, símbolos de poder e privilégio, e para ser "uma Igreja serva e pobre", como desejava João XXIII.

Hoje, o "Pacto", esquecido nas décadas posteriores por razões políticas, veio à tona e se tornou vida vivida com o Papa Francisco e o programa do seu pontificado: "Por uma Igreja pobre e para os pobres". Tanto que, no próximo dia 14 de novembro, a Pontifícia Universidade Urbaniana organiza um importantes seminário oficial no 50º aniversário: entre os convidados especiais, o teólogo jesuíta Jon Sobrino (duas das suas obras em 2007 foram definidas como "erradas" pela Congregação para a Doutrina da Fé), que vai se encontrar com o Papa Francisco no dia anterior, 13 de novembro, durante a missa em Santa Marta, às 7h.

Bergoglio, que na época ainda não era bispo, respirou os ecos dessa iniciativa na América Latina, onde ainda estava viva em alguns componentes da Igreja. Entre os signatários posteriores do "Pacto", de fato, estavam o arcebispo de San Salvador, Óscar Romero, assassinado pelos militares e hoje bem-aventurado por vontade do Papa Francisco, e o bispo argentino Enrique Angelelli, que morreu em um acidente suspeito em 1974, que Bergoglio conhecia quando era superior dos jesuítas.

Renúncia "à aparência e à realidade da riqueza"

No dia 16 de novembro de 1965, os 42 bispos de 15 países de diferentes continentes, incluindo muitos latino-americanos, celebraram uma eucaristia, presidida pelo bispo belga Charles-Marie Himmer, nas catacumbas de Santa Domitila, que hospeda os túmulos de 100 mil cristãos dos primeiros séculos de vida da Igreja.

A assinatura do "Pacto" se inspirou no compromisso do grupo "Igreja dos Pobres", fundado pelo padre operário Paul Gauthier e pela religiosa carmelita Marie Therèse Lescase.

No texto, redigido pelo bispo Hélder Câmara, os bispos se comprometiam a "viver segundo o modo ordinário da nossa população, no que concerne à habitação, à alimentação, aos meios de locomoção e a tudo que daí se segue".

Uma renúncia, especificamente, "no traje (fazendas ricas, cores berrantes)", aos símbolos em ouro e prata, à propriedade "de bens imóveis, nem móveis, nem conta bancária".

Ao mesmo tempo, os bispos se recusavam a ser chamados "oralmente ou por escrito, com nomes e títulos que signifiquem a grandeza e o poder (Eminência, Excelência, Monsenhor...). Preferimos ser chamados com o nome evangélico de Padre".

Não aos privilégios e à administração direta das finanças. "No nosso comportamento – escreviam –, nas nossas relações sociais, evitaremos aquilo que pode parecer conferir privilégios, prioridades ou mesmo uma preferência qualquer aos ricos e aos poderosos (por exemplo, banquetes oferecidos ou aceitos, classes nos serviços religiosos)".

"Do mesmo modo – continuavam –, evitaremos incentivar ou lisonjear a vaidade de quem quer que seja, com vistas a recompensar ou a solicitar dádivas, ou por qualquer outra razão."
Todas as vezes que for possível, acrescentavam, "confiaremos a gestão financeira e material em nossa diocese a uma comissão de leigos competentes e cônscios do seu papel apostólico, em mira a sermos menos administradores do que pastores e apóstolos".

O compromisso com os pobres no "Pacto" se fundamentava principalmente nas exigências de justiça e de caridade, trabalhando para "transformar as obras de beneficência em obras sociais". Tudo isso pedindo que os responsáveis dos governos e dos serviços públicos implementassem "as leis, as estruturas e as instituições sociais necessárias à justiça, à igualdade e ao desenvolvimento harmônico e total do homem todo em todos os homens".

Dando-se conta da situação de pobreza extrema de dois terços da humanidade, os bispos signatários também se comprometiam a "participarmos, conforme nossos meios, dos investimentos urgentes dos episcopados das nações pobres", e a pedir às organizações internacionais, "testemunhando o Evangelho, como o fez o Papa Paulo VI na ONU, a adoção de estruturas econômicas e culturais que não mais fabriquem nações proletárias num mundo cada vez mais rico, mas sim permitam às massas pobres saírem de sua miséria".

Celebração dos 50 anos

Ao longo dos anos, o "Pacto" encontrou inúmeras oposições e foi vivido às escondidas. Mas, neste ano, por ocasião do 50º aniversário, alguns grupos (os Missionários do Verbo Divino, as Missionárias Servas do Espírito Santo, o grupo de Justiça e Paz JPIC dos religiosos e religiosas da União dos Superiores e Superioras Gerais (UISG/USG), os religiosos brasileiros em Roma, o Centro de Estudos sobre a Missão (Sedos), os pobres da Cáritas de Roma) e bispos (incluindo o cardeal Walter Kasper, presidente emérito do Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos) já organizaram e presidiram celebrações especiais nas catacumbas.

O evento do dia 14 de novembro, na Aula Magna da Pontifícia Universidade Urbaniana, organizado pelo grupo JPIC da USG/UISG, pelos verbitas e pelo Sedos, sanciona a oficialidade da celebração.

O teólogo espanhol Jon Sobrino, naturalizado salvadorenho e que escapou de um atentado encomendado pelo governo em 1989, vai falar sobre o impacto do "Pacto das Catacumbas" na Igreja hoje.

Também falará o bispo emérito de Ivrea, Luigi Bettazzi, hoje com 92 anos, um dos poucos signatários ainda vivos junto com o bispo José Maria Pires, que, do Brasil, vai enviar uma mensagem de vídeo.

Sobre o congresso, Dom Bettazzi, em um editorial da revista Mosaico di Pace, espera que o papa "possa se não promovê-lo, certamente abençoá-lo".

Também confirmou presença o cardeal João Braz de Aviz, prefeito da Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e Sociedades de Vida Apostólica.

Sobrino vai se encontrar com o papa em Santa Marta no dia anterior, enquanto, no domingo, 15 de novembro, depois da participação do grupo no Ângelus em São Pedro, ele presidirá a missa nas catacumbas de Santa Domitila, geridas pelos padres verbitas.

Entre os outros palestrantes no congresso: Alberto Melloni, da Universidade de Modena e Reggio Emilia, e o cardeal Roger Etchegaray.

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