quinta-feira, 7 de julho de 2011

Pressão de trabalhadores rurais conquista recuperação de escola em Nova Iguaçu

Por Alan Tygel e Vicente Nepomuceno

“Você entrava na escola, só via mato. Só tinha um caminho por onde as crianças passavam, o resto era tudo mato.”

É assim que Romário Silveira Machado, novo diretor da Escola Municipal Campo Alegre, na Baixada Fluminense, descreve o estado do local há cerca de um mês, quando assumiu o cargo.

A equipe de professores da escola já havia feito diversos ofícios denunciando a situação de abandono das instalações, todas elas ignoradas pelo estado. Após forte pressão do MST e da CPT sobre a prefeitura de Nova Iguaçu, a Secretaria de Educação nomeou o novo diretor.

“Aqui já teve mais de 400 alunos. Quando entrei, tínhamos 50. A escola disputava crianças com uma ONG italiana, que oferece comida, coisa que nem sempre tinha aqui”, conta Romário.

Campo Alegre é mais uma área emblemática na luta pela terra no Estado do Rio. Ocupada em 1984 por cerca de 3000 famílias de trabalhadores organizadas pela Comissão Pastoral da Terra, a área até hoje não tem qualquer tipo de regularização fundiária. Este vazio judicial prejudica toda infra-estrutura do local, além de inviabilizar o acesso ao crédito pelos agricultores.

O acampamento tem parte do território no município de Nova Iguaçu, e outra em Queimados. A área é grande, e por isso dividida em 6 regionais, cada qual com sua associações de moradores.

Estima-se a população hoje em 1200 famílias, mas a falta de dados mais precisos sobre o local também revela o descaso do poder público. A estrada de acesso é péssima, e o ônibus passa de hora em hora. O melhor meio de locomoção é mesmo a bicicleta, com a qual é possível vencer mais facilmente dos buracos e lamaçais.

Construindo uma Escola do Campo

A equipe de trabalhadores da escola conta hoje com 11 pessoas. Além do diretor Romário, atuam na direção a coordenadora político-pedagógica Cláudia e a orientadora educacional Alessandra. As professoras regentes são Janete Aníbal (que também é incentivadora da palavra), Isabel Alves e Joelma.

Quem cuida da merenda dos estudantes são Dona Zélia, Dona Maura e Dona Marli, que atuou na época da ocupação da área, e conhece bem a história de luta pela terra. O vigia Sebastião também é presidente do Conselho Escolar, e o motorista Fernando é chamado de “anjo da guarda”, já que além de levar as crianças na kombi, contribui de diversas formas.

Esta equipe tem hoje um grande desafio: disseminar o conceito de educação do campo entre professores e alunos, e reconstruir a escola com comunidade, a partir da valorização da cultura local e do diálogo entre escola e comunidade.

A tarefa não é fácil, mas em 15 dias da nova direção já se sente que algo mudou. “A primeira coisa foi capinar o terreno da escola. Fomos com os alunos no mato pegar bambus, e já temos um campo de futebol.” Apenas com essa medida, alunos que antes ficavam apenas pela manhã mudaram para o período integral. “Eles já sentem um pouco mais que a escola é deles.”

Outra medida inicial foi bater de casa em casa para conhecer a comunidade e verificar se havia crianças que não estavam frequentando a escola. Nestas visitas, percebeu que muitas famílias não plantam e nem ao menos têm horta em casa. Num local onde a população tem renda muito baixa, este dado é preocupante.

Por isso, a reconstrução da horta é uma das prioridades do momento. Para isso, e a escola conta com a ajuda de Suellen Carvalho, estudante do curso de pedagogia do campo na UFRRJ, e militante do MST. O objetivo é que, depois que os estudantes tomarem contato com a horta na escola, comecem a fazer hortas nas suas casas, com supervisão dos professores. Desta forma, escola e comunidade se aproximam cada vez mais, tornando-se algo indissociável, como sempre deveria ser.

Abandono

A situação do imóvel da escola é péssima, e a necessidade de uma obra é urgente. A escola, uma espécie de CIEP (conhecida como Brizolinha), não recebe uma reforma desde que foi construída, nos anos 1980. A fiação desencapada já fundiu-se com a estrutura metálica das paredes, que dão choque.

O abandono, no entanto, não é somente da escola. A menos de cinco minutos da escola, avista-se um galpão abandonado – a Cooperativa Agrícola do Mutirão de Campo Alegre. A Cooperativa foi criada entre o final da década de 1980 e o início da de 1990. Segundo a lideranças locais, na ECO 92, a Cooperativa forneceu doces em compotas para o evento. Foi seu auge. Em 1996, já tinha sido desarticulada. Os tratores não se adaptaram ao tipo de solo muito pedregoso da região, e não tiveram como consertá-los. A ONG e seus dirigentes foram para a Itália, deixando uma dívida que hoje beira R$200.000,00.

O espaço é amplo: um galpão de cerca de 500m2, e mais um conjunto de 5 salas de cerca de 10m2. Nestas, pode-se ver pelas frestas da janela uma série de equipamentos abandonados, alguns deles parecendo um antigo consultório dentário. O espaço deve tornar a cumprir sua função social, e pode trazer muitas alternativas para a escola.

Galpão Abandonado da Cooperativa Agrícola do Mutirão de Campo Alegre

Retomada

Em 15 dias da nova direção, a escola já conseguiu trazer mais 12 alunos. A coordenação e os professores sabem que as primeiras medidas tomadas foram importantes para levantar o ânimo da escola, mas não são suficientes para consolidar um projeto de escola do campo.

Para isso, um passo fundamental é o resgate da história de luta do local. Aqueles que participaram da ocupação da fazenda em 1984 já têm filhos e até netos na área. E se lembram com carinho dos tempos em que o acampamento produzia grandes quantidades de quiabo e aipim.

Um dos projetos para o segundo semestre é a produção de um livro didático, que conte a história de Campo Alegre. Uma história de conquistas bonitas, mas também de perdas que devem sempre ser lembradas. No dia 19 de maio de 2009, Oséias José de Carvalho foi assassinado por pistoleiros quando participava da ocupação 17 de Maio, em Nova Iguaçu. Oséias ajudou na luta por Campo Alegre, e deixou para a comunidade, além de seu lindo exemplo de luta, a filha Suellen, que hoje trabalha na escola.

E assim vai surgindo uma nova escola do campo. Com dedicação, amor à profissão, respeito às crianças e às famílias, e acima de tudo, um incontrolável desejo de mudança. Perguntado sobre a missão da escola de Campo Alegre, Romário responde:

“Para o Estado, temos a função de formar cidadãos para integrá-los à sociedade. Essa é a função para a qual fomos formados, concursados e contratados pelo Estado. Contudo, embora recebamos do Estado para promover essa educação, estamos tentando desenvolver outra educação.”

“Percebemos que integrar cidadãos a essa sociedade seria perpetuar um mundo de desigualdades, injustiças, exclusão, fome, desemprego, violência, destruição ambiental… Portanto, antes de formarmos cidadãos integrados ao mundo atual devemos nos formar enquanto cidadão críticos do mundo atual.”

“Para isso, devemos trazer os sujeitos da aprendizagem para o centro do processo. Devemos resgatar as propostas históricas dos movimentos sociais, as propostas derrotadas pelo sistema, propostas da luta dos trabalhadores, das ligas camponesas, dos movimentos em luta por saúde, saneamento, moradia, emprego, agroecologia, democracia…”

Romário Silveira Machado, diretor da escola

“Ressuscitar essas propostas é também ressuscitar a história de tantos companheiros que tombaram nas lutas pela terra, contra a ditadura. É dar vigor à nossa juventude e conhecimento para que percebam que a saída para os problemas atuais da nossa sociedade não está no atendimento das nossas necessidades individuais, mas nas nossas necessidades coletivas. Portanto, a saída deve ser coletiva. A reorganização de coletivos de jovens, idosos, trabalhadores que lutem por direitos econômicos, sociais e políticos é a nossa missão nesse momento.”

“A implementação da Educação do Campo, entendida como uma conquista dos povos do campo (MST, povos da floresta, quilombolas, caiçaras, …) é essencial e fundamental para atingirmos nossos objetivos, uma vez que já possuímos diretrizes operacionais reconhecidas pelo Sistema Educacional e que nos dão uma ampla margem de atuação junto com os movimentos sociais. Ocorre que, o convencimento dos professores mantidos pelo estado de que podemos atuar dessa forma é a minha principal tarefa nesse momento, como gestor/militante. Para isso, estou contando com a ajuda de intelectuais orgânicos da Universidade, com lideranças do MST e com todos que quiserem entrar nessa luta conosco!”

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